sábado, 28 de fevereiro de 2015

A vida longa e próspera de Mr. Nimoy.


Aos 83 anos, desaparece um dos rostos mais conhecidos do sci-fi, quase indissociável de Spock e das sua orelhas de vulcano na saga Star Trek.
Leonard Nimoy escreveu duas autobiografias com 20 anos de intervalo, I Am not Spock (1975) e I Am Spock (1995).
Como tantos actores, Nimoy fez uma primeira tentativa de não ser confundido com a personagem que lhe deu fama, mas acabou por se render à evidência: Nimoy era e sempre foi Spock, desde o primeiro momento em que apareceu na televisão com as orelhas pontiagudas e a franja minuciosamente aparada. Morreu na sexta-feira aos 83 anos, vítima de doença pulmonar, o actor que encarnou a personagem mais emblemática de Star Trek, a série de ficção científica que começou por ser um fracasso, mas catalisadora de um culto que a transformou num fenómeno com vida longa e próspera.
 Nimoy sofria de doença pulmonar obstrutiva crónica, diagnóstico que revelou publicamente em 2014, e foi a doença que causou a sua morte, como confirmou ao New York Times a sua mulher, Susan Bay Nimoy. No início desta semana, o actor tinha já sido hospitalizado na sequência de um agravamento da doença. Foi nesse dia que escreveu o que seria o seu último tweet: “Uma vida é como um jardim. Os momentos perfeitos podem ser vividos, mas não preservados, excepto na memória. LLAP”, escreveu, com a derradeira sigla para Live Long and Prosper - a frase-chave da sua personagem. Era assim que terminava cada uma das suas mensagens em 140 caracteres ou menos para o seu milhão e meio de seguidores.

Nimoy foi muitas coisas, mas ser Spock foi um emprego para toda a vida, desde a primeira aparição no episódio piloto de Star Trek, “The Cage”, em 1965, até aos dois filmes de J.J. Abrams (2009 e 2013). Spock era um ser meio vulcano, meio humano, membro da tripulação da USS Entreprise, a nave espacial que tinha por missão explorar novos mundos por mandato da Federação dos Planetas. Era o cientista racional para fazer contra ponto ao aventureiro capitão James T. Kirk (William Shatner).


Nascido em Boston a 26 de Março de 1931, filho de imigrantes ucranianos, Leonard Simon Nimoy mudou-se para Hollywood aos 17 anos, esteve na tropa, conduziu táxis, entregou jornais e andava perdido pela televisão, teatro e por produções cinematográficas de baixo orçamento. Mas foi ganhando reputação como actor e chegou a Star Trek por escolha própria, não como último recurso – podia escolhido ser um leading man numa telenovela, mas preferiu arriscar numa série de ficção científica sem garantia que desse alguma coisa.
O piloto original de Star Trek era muito diferente do que aquilo que acabaria por ser e, dessa primeira experiência, apenas o Spock de Nimoy sobreviveu, muito por insistência de Gene Rodenberry, o criador da série, e contra a vontade da NBC, que queria livrar-se do “tipo das orelhas”. A série ganhou novas personagens e novo elenco, mas não seria um sucesso imediato. Foi cancelada ao fim de três temporadas (80 episódios), mas ganhou nova vida nas reposições. Mais do que Kirk, Scotty, Sulu, Uhura, Chekov ou McCoy, o Spock de Nimoy foi a figura central do culto inicial à volta de Star Trek e a presença mais reconhecida do fenómeno trekkie – os fãs preferem trekker.
O sucesso ao retardador de Star Trek gerou uma série de filmes que começou em 1979. Nimoy entrou nos seis primeiros, realizou dois deles – Star Trek III: The Search for Spock e Star Trek IV: The Voyage Home e foi também argumentista de dois capítulos – e foi o único do elenco original a regressar no reboot de J.J. Abrams, como um Spock original que se cruza com um jovem Spock de uma realidade alternativa interpretado por Zachary Quinto, escolhido para o papel pelas parecenças físicas com Nimoy.  Nimoy seria ainda Spock num episódio de Star Trek: The Next Generation, numa série de desenhos animados e muitas das suas aparições recentes, como em A Teoria do Big Bang, também recuperam a icónica personagem.
A sua carreira não se fez apenas de viagens por galáxias distantes a bordo da USS Enterprise. Dramaturgo (a sua peça Vincent esteve no Teatro Villaret em 2006, por exemplo), realizador, poeta, fotógrafo, músico - Leonard Nimoy, uma figura acarinhada no meio cinematográfico, foi ainda mais isto. Foi agente secreto na série Missão Impossível, esteve ao lado de Donald Sutherland em A Invasão dos Violadores e fez uma última incursão na ficção científica televisiva em Fringe. Para além dos dois capítulos de Star Trek, Nimoy realizou mais quatro filmes, entre eles a comédia de enorme sucessoTrês Homens e um Bebé, um remake do francês Três Homens e um Berço.
“Amava-o como a um irmão. Vamos todos sentir falta do seu talento, do seu humor e da sua capacidade para amar”, escreveu no Twitter William Shatner, aquele que mais vez esteve em cena com Nimoy. Foi a dinâmica entre o seu Kirk e o Spock de Nimoy que deu origem a tudo, embora Shatner nem sempre tenha lidado bem com o talento multifacetado de Nimoy – Shatner exigiu, por exemplo, que lhe dessem a realização de Star Trek V depois do sucesso dos dois anteriores capítulos realizados pelo seu colega de elenco.
Nimoy abraçou até ao fim a personagem com a qual não queria ser confundido mas que tornou num ícone com a sua voz serena e o seu olhar impassível, mas sempre a projectar emoções numa personagem que se pedia fria. “Por alguma razão”, disse ao Los Angeles Times numa entrevista em 1999, “projectei algum tipo de qualidade que fazia as pessoas dizer ‘OK, ele é um bom extra-terrestre’”. (Jornal Público – 27.Fev.2015) 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Cottinelli Telmo: um piano no ateliê.


Uma exposição no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, patente até 6 de Abril, exibe todo o génio e versatilidade do realizador de "A Canção de Lisboa". A entrada é livre.
A grande rosa-dos-ventos no chão e o luminoso panorama da beira-rio não deixam perceber facilmente a verdadeira lufada de ar fresco que — por paradoxal que possa parecer — sobrevém da cave do Padrão da Descoberta (sua designação inicial, mais renascentista) onde está patente uma pequena mas surpreendente exposição “Os arquitectos são poetas também”, dedicada a José Ângelo Cottinelli Telmo (1897-1948) — co-criador do próprio edifício, na sua versão efémera e ligeiramente menor, só madeira e estuque.
O apreço dos responsáveis do Padrão dos Descobrimentos pela figura do seu arquitecto vai ao ponto de exibir no seu auditório, em sessões contínuas, o recente documentário de António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira (Uma Vida Interrompida, 2013, 55′) sobre o realizador de A Canção de Lisboa, no qual intervém amiúde o arquitecto João Paulo Martins, o comissário desta exposição que dedicou em 1995 a sua tese de mestrado a Cottinelli (ainda inédita), beneficiando do acesso ao seu espólio, actualmente conservado no forte de Sacavém, onde aguarda inquirições. Vários documentos expostos vieram de lá.
Arquitecto-chefe da Exposição do Mundo Português, Cottinelli pode e deve ser colocado, sem favor, ao nível de Almada Negreiros (de quem se revelam desenhos ainda inéditos na Fundação EDP, ali perto) pela sua excepcional e precoce criatividade multimédia, ou de Leitão de Barros e Carlos Botelho, dois outros enormes, polifacetados e prolixos talentos artísticos — aliás muito subestimados —, e com quem mais fez o seu caminho, desde que frequentaram juntos o Liceu Pedro Nunes e a Escola de Belas-Artes na década de 1910.
Em Fevereiro de 1917, meses antes de a companhia de Bailados Russos de Diaghliev ter aberto uma fina e breve brecha civilizacional na pasmaceira lisboeta — um desenho inédito sobre esses bailados é, precisamente, uma das surpresas da exposição —, Leitão de Barros publicou na efémera e esquecida revistaSphinx (Esfinge) um elogio de José Telmo, chamando-lhe “grande Fenómeno de Arte”, “desenhador, poeta, actor, diseur e músico”, “em tudo original, em tudo interessante e profundo, em tudo um grande esteta da Cor, do Som e da Vida. […] Fixem-lhe o nome, esperem-no impacientemente”.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

View-Master regressa através de parceria entre Mattel e Google.


O famoso dispositivo para visionamento de diapositivos está de volta, adaptado à era digital. Será lançado em Outubro.
Os maiores de trinta anos lembram-se certamente do View-Master, os "óculos" que nos permitiam ver diapositivos, ou melhor, que nos permitiam entrar diapositivo dentro, em visão estereoscópica. Apresentado originalmente em 1939, popular em Portugal algumas décadas depois, terá uma versão digital no mercado em Outubro deste ano, fruto da parceria entre a Google e a Mattel, passando de protótipo a verdadeiro dispositivo de realidade virtual.
Em vez das bobinas de cartão onde estavam dispostos os diapositivos contendo imagens de locais distantes ou fotos pessoais, o novo View-Master, apresentado sexta-feira na Feira Internacional do Brinquedo, em Nova Iorque, requer a utilização de um telemóvel Android que se encaixa no novo dispositivo, adoptado do design original, permitindo assim aceder às imagens descarregadas através da aplicação criada para o efeito – o Google Cardboard é a tecnologia utilizada.
Segundo a Mattel, foram vendidos 100 milhões dos View-Master originais, bem como 1,5 mil milhões de bobinas. “O nosso objectivo, usando esta nova tecnologia, é criar a marca View-Master para os próximos 75 anos”, afirmou àWired Doug Wadleighm, vice-presidente de Marcas Globais da Mattel. Tendo em conta que que o novo produto tem como alvo preferencial os consumidores em idade escolar (para além, obviamente, dos nostálgicos do velhinho View-Master), Wadleigh anunciou que também serão comercializadas bobinas em formato físico. “Os miúdos gostam de ter colecções que possam guardar no quarto”, justificou.
Este será apenas o primeiro passo da Mattel para, através da parceria com a Google, actualizar à era digital o seu vasto catálogo de brinquedos. “O nosso objectivo com a marca View-Master é tornar a realidade virtual acessível, fácil de utilizar, divertida, educativa e para toda a família”, referiu Wadleigh.
A jornalista da Wire Issie Lapowsky experimentou o novo dispositivo e viajou pelas ruas de São Francisco, passando pela prisão de Alcatraz, comparando a experiência a “ver o mundo em redor como uma fotografia gigante a 360 graus”. Visitou também por paisagens pré-históricas, observando um gigantesco Brontossauro em movimento, criado com tecnologia CGI.

O novo View-Master terá o preço de 29,99 dólares (26,33 euros). As bobinas serão vendidas em pacotes de quatro por 14,99 dólares (13,16 euros). Na altura do lançamento, será apenas compatível com Android. A versão para iOS a surgir algum tempo depois. (Jornal Público – 14.Fev.2015)


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

AS PALAVRAS INVISÍVEIS.


Procuro o meu bloco de notas em lugares onde já procurei. Tenho a esperança que, desta vez, por qualquer milagre, possa estar lá. Não é um bloco extravagante, é preto e simples, vejo-o na memória enquanto procuro. Há aquilo para que olho, está à minha frente com todas as suas formas, e há este bloco de capa preta que quero encontrar e que é concreto na minha lembrança, como uma imagem projetada sobre aquilo que existe, como um slide antigo, e não adianta estender a mão para agarrá-lo, não está lá, os dedos atravessariam a luz dessa projeção colorida e imaterial.
Tento recordar a última vez que segurei o bloco de notas, ontem. Sei que estava em casa, isso é certo, mas apenas lembro a sensação viva de ter descoberto um bom lugar para o guardar. Talvez dentro de uma gaveta, talvez debaixo de alguma coisa, talvez entre dois livros que, naquele instante, me pareceram especialmente simbólicos. Escondi-o tão bem que, agora, nem eu próprio o consigo encontrar.
Conheço blocos de notas de grandes escritores, edições fac-similadas, póstumas. Os meus cadernos não são assim. Encho-me de pudor com a simples referência mental às anotações que faço: frases muito distantes de chegarem a verso, listas de tarefas, ideias sem forma, fragmentos meus, nus, inocentes, a exporem aquilo que não quero mostrar. Não são restos de mistério, não têm aquela imperfeição cuidadosa, perfeita. Aquelas páginas sou eu em cuecas, acabado de acordar, zombie; sou eu despenteado, camisola com nódoas, meias sem elástico; sou eu adormecido no sofá, diante da televisão acesa, a babar-me.
Na semana passada, estacionei o carro num lugar diferente. Entrei em casa, enchi a cabeça com as coisas de casa, dormi essa noite e, no dia seguinte, quando saí à rua, sobressaltei-me por não o encontrar no posto de todos os dias. Comecei a procurá-lo. A possibilidade mais insistente era: roubaram-me o carro. Apressei o passo e, quando já tinha o telefone na mão, lembrei-me daquele instante na véspera em que decidi estacionar num lugar diferente.
Escondido de mim, o meu bloco de notas, imóvel, discreto, abriga aquele pequeno mundo. Bastará folheá-lo para que essas palavras se soltem; estão lá, à espera, são como um segredo com corpo. O meu bloco de notas é como o corpo desse segredo.
Ainda assim, há diferenças fundamentais: esconder para sempre é tentar que algo nunca tivesse existido. Em coerência, a única forma de levar esse raciocínio até ao fim é morrer. Comparado com essas decisões, o meu bloco de notas, feito de papel barato, não é realmente o corpo de um segredo, é apenas o biombo que cobre esse corpo e, mesmo assim, é um biombo que permite transparências. Por sua vez, morrer com segredos, carregá-los no peito a vida inteira e morrer, nunca os partilhando com irmãos ou filhos, é um ato que questiona a própria morte. Conseguirá a morte ser suficientemente opaca para esconder esses segredos para sempre?
Um bilhete achado no interior de um livro antigo pode mudar tudo o que pensávamos sobre o nosso avô. Uma grande parte do passado ainda está para acontecer.
Além disso, os segredos retiram lógica ao mundo. Aquilo que se omite priva os outros de compreenderem as razões dos episódios a que assistem. Porque é que estás maldisposto? Por nada. Passa-se alguma coisa? Não, não se passa nada. Há algum problema? Não, não é nada.
Talvez encontre o bloco de notas quando já não estiver à espera. Então, quase de certeza, irá iluminar-se o instante em que decidi guardá-lo e as razões que me levaram a escolher esse lugar que, agora, me parece insuspeito. Será como quando não consigo recordar um nome ou uma data, faço um grande esforço de memória, mas nada. Depois, quando já não estou a pensar nisso, de repente, como um objeto que regressa à superfície, aparece-me na cabeça. Até posso acordar de noite com a força dessa lembrança.
Conformo-me, estou cansado de procurar, mas tenho pena. Nesse bloco, tinha anotado a ideia que ia desenvolver neste texto. Não consigo lembrar como era, só recordo que me entusiasmou, pareceu-me boa ideia, fiquei contente quando a tive.


José Luís Peixoto, in revista Visão

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Alunos da Escola de Dança do Conservatório Nacional distinguidos no Prix de Lausanne.


Miguel Pinheiro foi distinguido com o prémio de interpretação de dança contemporânea.Ito Mitsuru obteve o terceiro lugar na final do concurso.
O bailarino português Miguel Pinheiro e o japonês Ito Mitsuru, ambos alunos da Escola de Dança do Conservatório Nacional, em Lisboa, foram distinguidos na final do Prix de Lausanne, que se realizou neste sábado na cidade suíça.
Miguel Pinheiro foi distinguido com o prémio de interpretação de dança contemporânea, no Prix de Lausanne, além de garantir uma das bolsas atribuídas pela competição, e Ito Mitsuru obteve o terceiro lugar na final do concurso.
O bailarino português disse à Lusa que a dança contemporânea é uma modalidade que aprecia particularmente, na qual se sente seguro. "Estive muito à vontade", durante a prova, disse à Lusa. "Já não era a primeira vez [que prestava provas] e correu muito bem", afirmou.
O seu colega em Lisboa, o bailarino japonês Ito Mitsuru, obteve o terceiro lugar na final do concurso do Prix de Lausanne.
Para o director da Escola de Dança do Conservatório Nacional, Pedro Carneiro, este resultado recompensa o trabalho de ambos. "O mérito é todo deles", disse.
Domingo, os restantes três candidatos portugueses presentes na Suíça – Alice Pernão, Teresa Dias e Francisco Patrício, também alunos da escola lisboeta – têm entrevistas marcadas com directores de escolas e companhias internacionais, no quadro do fórum especial de dança, organizado pelo Prix de Lausanne, de acordo com Pedro Carneiro.

Lançado em 1973, o Prix de Lausanne constitui um dos mais exigentes certames de dança a nível mundial, para jovens entre os 15 e os 18 anos, na fase final de formação. (Jornal Público – 7.Fev.2015)


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Como o Palácio do “Monteiro dos milhões” deslumbrou Taylor Moore.


Taylor Moore esteve no Palácio da Regaleira e ficou deslumbrado com aquilo que viu. Fotógrafo canadiano, registou o edifício e, também, a respetiva quinta. Vale a pena ver o resultado.
“Um lugar de magia divina e de mistério”. É desta forma que Taylor Moore, cuja página na rede social Facebook pode ser visitada aqui, caracteriza o Palácio da Regaleira e a respetiva quinta, em Sintra. O fotógrafo canadiano visitou o lugar, com as suas grutas, pequenos lagos, um poço iniciático, torres e jardins e ficou deslumbrado. Afirma que se trata se um daqueles sítios que convida a ser fotografado “de noite ou de dia”.
Palácio da Regaleira foi mandado construir por António Monteiro, nascido no Rio de Janeiro em 1850 e falecido em Sintra em 1920, que ganhou a alcunha de “Monteiro dos milhões” pela fortuna que herdou e que fez crescer através de negócios no café e pedras preciosas. A propriedade foi adquirida por Monteiro em 1892, as obras começaram em 1904 e terminaram seis anos depois. O projeto foi desenhado pelo arquiteto italiano Luigi Manini (1848-1936), que conjugou diversos estilos como o gótico, renascentista e manuelino, a expressão portuguesa do gótico.

(observador.pt)