quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Marinha encontrou caça-minas afundado na I Guerra ao largo de Cascais.


A Marinha anunciou nesta terça-feira ter encontrado os destroços do caça-minas Roberto Ivens, afundado em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, ao largo de Cascais, preparando-se agora para recolher imagens para estudo arqueológico.
“No ano em que se assinala o centenário da entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, a detecção e recolha de informação relativa a este navio reveste-se de um especial interesse histórico”, destaca a Marinha, numa nota.
Segundo uma fonte da Marinha, o incidente com o Roberto Ivens estava retratado, “mas aproveitou-se uma missão com um navio hidrográfico para fazer uma busca”, tendo sido detectados e identificados na segunda-feira os destroços do caça-minas, a cerca de quatro milhas náuticas (oito quilómetros) a sul da entrada da barra do Porto de Lisboa, com recurso a um sonar lateral.
“Agora vamos com o ROV (remotely operated vehicle), o equipamento que permite recolher imagens em profundidade, ver o estado em que está e podemos avaliar a hipótese de o [fazer] reflutuar e recuperar os destroços. Vamos ver como vamos evoluir”, acrescentou a mesma fonte.
A detecção do antigo arrastão afundado foi feita pelos elementos da lanchaAndrómeda, com uma equipa do Instituto Hidrográfico e um elemento do Instituto de História Contemporânea.
De acordo com a Marinha, no dia 26 de Julho de 1917, pelas 15h15, o caça-minas Roberto Ivens, antigo arrastão Lordelo, requisitado em 1916 no âmbito da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial, embateu contra uma mina fundeada por um submarino inimigo e afundou-se a cerca de 12 milhas (24 quilómetros) a sul de Cascais.
Este acidente causou a morte de 15 elementos da guarnição, entre eles o comandante, primeiro-tenente Raul Alexandre Cascais, de três sargentos e de 11 praças, ficando ainda ferido o capitão da marinha mercante Francisco António Biaia.
Sete sobreviventes foram recolhidos pelo rebocador Bérrio.
Em comunicado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior lembra que o caça-minas foi o primeiro navio da Armada Portuguesa a “perder-se durante a Grande Guerra”.
O destroço do caça-minas agora localizado está “numa posição distinta daquela onde a documentação oficial o apontava como perdido”, refere o ministério.

“A localização permite aprofundar o conhecimento sobre a presença e o papel da Marinha durante o período conturbado da Grande Guerra e, simultaneamente, lança um novo olhar sobre a real dimensão da ameaça submarina alemã em águas territoriais portuguesas”, sublinha o Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior. (Jornal Público – 24.Fev.2016)


sábado, 20 de fevereiro de 2016

A escritora que só quis publicar um livro mas pode ter três.


Mataram a Cotovia' foi o único romance de Harper Lee durante décadas. No ano passado descobriram no seu espólo o 'Vai e Põe a Sentinela'. Mas parece que há mais um na arca.
A otícia correu o mundo em segundos: "Harper Lee morreu". A única diferença no modo de a revelar aos seus leitores ou admiradores esteve nas fotografias escolhidas para ilustrar este capítulo final da vida de uma das mais míticas escritoras norte-americanas. Que se celebrizou por ser autora de um único livro, que continua a vender milhões de exemplares todos os anos e atravessou várias gerações de leitores: Mataram a Cotovia, ou Não Matem a Cotovia, segundo as traduções.
Tal como as muitas histórias que envolveram o secretismo que Harper Lee exigiu para a sua vida, também esta de ser autora de um único livro tem várias versões. Ou seja, só houve a Cotovia durante décadas, até que no ano passado a sua advogada, Tonja Carter, desencantou o manuscrito original de Vai e Põe uma Sentinela. Que se passa num tempo após o "único" romance - porque o editor a obrigou a refazer -, e o deu para publicação apesar de não serem muito claros os contornos sobre a autorização da própria escritora. Pelo menos esta é a versão de quem reconhece que Harper Lee estava distante deste mundo há já algum tempo; incapaz de perceber o negócio literário em marcha, e incapaz de contrariar a principal decisão da sua vida literária: não publicar um segundo livro.
Nelle, como era conhecida por muitos, nasceu em Monroeville, no estado do Alabama, em abril de 1926. Entre os amigos de infância estava um vizinho que se tornou famoso, Truman Capote, e que lhe deu algumas dores de cabeça quando a contratou para a investigação do crime que retratou no seu best-seller A Sangue Frio, mas a quem não deu nome nos créditos. A amizade praticamente acabou por aí, depois de terem convivido na cidade que mais impressionou a jovem do interior: Nova Iorque. Onde Harper Lee conhece o compositor da Broadway, Michael Martin Brown, que, apreciador do seu talento, decide financiar a futura escritora durante um ano para que se dedicasse exclusivamente à escrita. E foi o sucesso em livro, em filme e em adaptações teatrais.
Mataram a Cotovia é uma história que se mantém atual e que os mais recentes conflitos racistas nos Estados Unidos evocam demasiadas vezes, mesmo que o romance se passasse na década de 30, numa povoação do interior onde o jovem advogado Scout Finch e o seu pai, Atticus, são indicados pelo juiz para defenderem um negro acusado de violar uma jovem branca. Quanto ao polémico Vai e Põe uma Sentinela, a história que dá continuação ao cenário de Mataram a Cotovia, o problema é o de a personagem Atticus ser retratada como tendo ideias racistas. O que já não agradara décadas antes ao editor de Harper Lee, nem atualmente à maior parte dos leitores da sequela.

Avise-se que com a morte da escritora, Tonja Carter ainda poderá provocar uma nova alteração na biografia da autora de um único livro, já que correm rumores de que entre o Mataram a Cotovia e Vai e Põe a Sentinela existirá um terceiro romance. A advogada não se quis comprometer com essa possibilidade mas confirmou que uma equipa de peritos iria "examinar e autenticar" todos os documentos que foram encontrados no cofre com o espólio de Harper Lee. (DN – 20 Fev 2016)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Fomos descobrir a que soará a nova viagem de Medeiros/Lucas.


Sintetizadores que dançam com o frenesi do “electro-chaabi” do Cairo. Guitarras tricotadas com esmero, atentas aos movimentos umas das outras. Uma voz, voz cheia, que se ergue entre instrumentação esparsa, convocando memórias do Robert Wyatt que se descobria a solo. Apontamentos electrónicos e instrumentação orgânica. Ouvimo-lo nos estúdios Golden Pony, Sé de Lisboa nas proximidades. É ali que Medeiros/Lucas preparam o sucessor do belíssimo Mar Aberto, álbum de destaque na discografia nacional de 2015
Enquanto os dedos sábios do produtor Eduardo Vinhas acertam o volume das tarolas ou corrigem a textura das percussões, Pedro Lucas serve de guia. Ouvimo-lo: “É como se os navegantes tivessem aportado no norte de África e depois descessem ao Mali, viajassem até à Etiópia e subissem até à Turquia e aos Balcãs”. Mar Aberto era viagem trágico-romântica-marítima criada por dois açorianos (Pedro Lucas, o inventor do Experimentar Na M’Incomoda, e Carlos Medeiros, o cantor cujo álbum O Cantar Na M’Incomoda, editado em 1998, inspirou o projecto de Lucas) inspirados nos sonhos de Cervantes.Terra do Corpo, como o título logo indicia, é de outra natureza. Alargam-se fronteiras e procura-se, explica Lucas, “o mais imediato, as primeiras ideias e as primeiras intuições”. Encontra-se também um co-conspirador, chamemos-lhe assim, decisivo para o que será o álbum a editar no final de Março – em Abril chegarão os concertos de apresentação.
“Músicos procuram escritor”, escreveu Lucas no mail que enviou a João Pedro Porto. Descobrira o escritor açoriano ao ler uma crónica de Valter Hugo Mãe no PÚBLICO e arriscou. Lucas e Carlos Medeiros queriam as palavras do autor de Porta Azul para Macau na sua música e o escritor, depois de ouvir a música de Mar Aberto, empenhou-se em oferecê-las. Todas as letras de Terra do Corpo foram escritas de raiz para o álbum, inspiradas pelos sons que Lucas ia compondo e aprimoradas ao sabor da voz e métrica de Medeiros. “Não há uma canção que represente o álbum”, aponta Pedro Lucas. “Nesse sentido”, pela diversidade estética, “estará mais próximo do primeiro de Experimentar Na M’Incomoda [criado sobre recolhas de música tradicional açoriana]”.

Terra do Corpo contará com convidados como Tó Trips e Rui Carvalho, com o contrabaixista Carlos Barretto, Selma Uamusse ou António Costa, vocalista dos Ermo. Como “residentes” da banda, para além de Medeiros e Lucas, encontramos Ian Carlo Mendoza, Luis Lucena e Augusto Macedo. Há pouco mar e os Açores já só se vislumbram, com esforço, muito ao longe. Mantém-se o principal. A ideia de um romantismo encantatório fundado nesse felicíssimo encontro entre a poesia que brota da voz de Carlos Medeiros e a música que Pedro Lucas descobre em si. (Jornal Público – 12 Fev 2016)