quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cais do Ginjal - Romeu Correia


"...O retiro do Luís dos Galos estava muito afreguesado. Mesas colocadas no cais como era uso no Verão. Os almoços de domingo eram sempre mais demorados, com os convivas em arrastadas conversas e discussões. Já havia guitarras e violas sobre mesas e cadeiras, esperando a vez de serem dedilhadas. Entrei e dirigi-me à cozinha, onde a tia Emilia preparava os petiscos. Ela sorriu-me e perguntou-me:
- Já arranjaste trabalho?
- Ainda não, tia Emilia. Só para a semana volto à doca para saber a resposta.
- Deus queira, rapazinho.
- Isto está cada vez pior... - resmunguei.
Perto de nós, uma voz, rouca e irónica, meteu o bedelho na conversa.
- Quem está aí a dizer mal do nosso homem providencial?
Volto-me, assustado, acreditando mais uma vez no Porfírio, mas esbarro com o Carlos Pitocero. O velho riu-se, fraterno, pousando a palma da mão sobre o meu ombro:
- É belo e reconfortante ouvir um jovem descrer da receita milagreira do tirano. Os velhos depositam as melhores esperanças na ressureição deste desgraçado povo. E cabe a vocês, com o sangue na guelra, descer à rua e lutar, lutar sem dar tréguas ao passado caquético e bolorento!..."

retirado de: Cais do Ginjal - Romeu Correia - Editorial Notícias



Recomendo ainda as obras: "Trapo Azul", "Sábado sem sol" e "Calamento".

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