segunda-feira, 30 de julho de 2012

Feira do Livro da Ericeira - 2012.


Hoje tive a oportunidade de lá estar, e só por estar num sítio ali mesmo à beira-mar, vale a pena lá ir... E claro... comprei um livro.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Corto Maltese no Alentejo.


«Um total de 51 obras de Hugo Pratt, desde aguarelas, a tinta da china e guache, que retratam uma das muitas viagens da personagem de banda desenhada Corto Maltese, é apresentada em Évora entre os dias 25 de Julho e 2 de Dezembro.» Ler no Público.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Hoje já ninguém escreve cartas...



“Ninguém é mais solitário do que aquele que nunca recebeu uma carta.” Elias Canetti
Uma caligrafia bonita, esculpida, morosa.
Como Cargaleiro a cinzelar mármore, Manuel Beja debruça-se com cuidados de artesão sobre a folha de papel branco e desenha as capitulares com vagar e minúcia de estilete-BIC. Uma caligrafia ornamentada, quase barroca, que enche de orgulho o antigo ferroviário, reclinado na velha cadeira de mogno entronizada no terreiro de luz do Abril-em-flor beirão. “Toda a gente me gaba a letra”, aventa com um sorriso empinado nos óculos garrafais que tentam iludir as cataratas do octogenário escrevinhador. “Nos Escalos, antigamente, a minha mãe era das poucas que sabia ler e escrever e era assim que ganhava mais uns trocados para alimentar sete filhos. Lia e escrevia as cartas para o povo. Acho que lhe herdei o jeito”.
Imagino a letrada camponesa no Largo dos Escalos como os escribas que montavam banca e tinteiro no Largo do Pelourinho de Lisboa no final do século XVI para escreverem cartas galantes a soldo; ou Florentino Ariza, personagem de “Amor em Tempos de Cólera” de Garcia Marquez, dedilhando a sua angústia em cartas de amor mercenárias forjadas para outros amantes se amanharem nos montes de Vénus; ou os ardis do amor por escrito que uma freira do séc. XIX ministrava, ensinando a simular o pingo de uma lágrima a pontuar uma carta de saudade.
As cartas de amor são como retratos amarelecidos com a usura do tempo. Já não se escrevem cartas de amor como antigamente, aliás já ninguém escreve “Meu amorzinho, meu Bébé querido” como Fernando Pessoa escrevia a Ofélia.
Na era do “fast-love” dos piropos via SMS, dos “chat´s” e da internet, o romantismo lacrado num envelope perfumado é um romantismo extinto: “Quem me dera no tempo em que escrevia/ Sem dar por isso/ Cartas de amor/ Ridículas / A verdade é que hoje/ As minhas memórias/ D`essas cartas de amor /É que são ridículas”.
Ti Manel contorna o sobrescrito com a língua, para acicatar a goma que sela as palavras esculpidas: “É para o meu irmão que está em França. Hoje em dia, já ninguém escreve cartas por causa do telefone. É tudo mais fácil. É pena, já nem o carteiro vem à nossa porta e uma carta escrita tem outra graça.”
Desde que Ti Sebastião, o antigo carteiro do “giro” de Castelo Novo se reformou, as quintas semeadas no sopé da Gardunha já não recebem com alegria o estardalhaço da motorizada zundape-alada deste Mercúrio rural, fintado a canzoada para entregar o correio, dois dedos de conversa e boa disposição: “Agora as caixas de correio estão concentradas em caminhos de acesso às quintas e já não se entrega a correspondência ao domicílio como antigamente. Muitas vezes os carteiros nem conhecem as pessoas. No meu tempo não era assim. Íamos a todas as quintas, mesmo as mais remotas. Conhecia toda a gente e ao longo dos anos fui ficando amigo de muitos deles. Vi gente nascer, crescer, casar, partir e fui vendo esse mundo rural morrer devagarinho”, conta Ti Sebastião enquanto prepara a pauta para o ensaio da Banda de São Vicente da Beira, da qual é maestro.
Empunha a batuta com as mãos que durante anos cavaram o fundo da sacola de carteiro, garimpando cartas que traziam as novas – boas e amargas -, a esperança e a angústia.
O mestre de música sabe que o homem que inaugurou a moderna indústria dos correios com a invenção do selo postal em 1837 era também maestro?
Sir Rowland Hill, administrador do Correio inglês, venceu a casmurrice da Câmara dos Lordes e impôs uma reforma postal que consagrava um sistema de padrões tarifários que permitia aos Correios Ingleses cobrar antecipadamente pelos serviços prestados, bastando colar um comprovativo do pagamento sobre a encomenda.
Nascia assim a lambidela no selo postal, gesto universalmente repetido da Gronelândia ao Burkina-Fasso, que permitiu aos serviços de correios de todo o mundo crescerem e democratizar esse sistema de comunicação tão antigo como a própria escrita e cujos registos mais ancestrais remontam a 2.400 AC no Egipto, quando os sigmanacis – velozes mensageiros – percorriam grandes distâncias a pé, de cavalo ou a camelo, carregando os papiros e correspondência com que os faraós mandatados pelo deus Sol, subjugavam o seus domínios à beira-Nilo.
Os comensais que uma vez por mês se agremiam na casa do Ti Sebastião na Soalheira para uma patuscada são a reencarnação desses sigmanacis e dos peregrinos, escudeiros, almocreves, correios-mores, correios a cavalo da mala-posta e de todos os homens que ao longo da história da humanidade carregaram o poder da palavra escrita para reis, senhores feudais, corpo eclesiástico e derradeiramente … para o povo: “É uma almoçarada de carteiros, alguns já reformados, outros no activo. Sempre serve para nos mantermos em contacto, trocarmos histórias ou até ensinarmos alguns segredos da profissão aos mais novos.”
A banda afina a marcha, o sisudo oboé abafa a fanfarronice do cornetim, o mesmo que serve de símbolo ao cavaleiro do logótipo dos CTT, que sopra com estribilho as novas de um mundo em permanente mudança, um mundo em que já ninguém escreve ao Ti Manel: “Até a reforma é depositada no banco. Só recebo publicidade do Jumbo e recibos da água e da luz. Hoje em dia, a única coisa que leio é o Jornal do Fundão para ver os resultados dos Escalos nos distritais e saber quem morreu por lá”.
Todas as quintas-feiras, Manuel Beja desenferruja o reumático que lhe atravanca o andar, no quilómetro e meio que separa a sua quinta da caixa postal junto à ordenha colectiva.
Todas as quintas-feiras, Ti Manel caminha até ao mundo exterior ao seu lameiro, que hoje lhe entra pela televisão e pelo telefone, com o coração acelerado pela secreta e irreprimível esperança de ter uma carta do seu irmão Carlos, emigrado em França.
A mesma esperança renovada e amarga que levava o velho coronel de Gabriel Garcia Marquez a desesperar todas as sextas-feiras a carta da pensão do seu filho morto na revolução, a carta de um tempo que já não volta, a carta que nunca chega: “Estou à espera de uma carta urgente – disse ele – é de avião.
O administrador procurou nos compartimentos classificados. Quando acabou de ler, repôs as cartas na letra correspondente, mas não disse nada. Sacudiu as palmas das mãos e dirigiu ao coronel um olhar significativo.
- Devia chegar hoje de certeza – disse o coronel.
O administrador encolheu os ombros.
- A única coisa que chega de certeza é a morte, coronel”.

retirado de: 
http://www.a23online.com/2011/08/12/carteiros-do-fim-do-mundo-ja-ninguem-escreve-ao-ti-manel/

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Conheça as novas livrarias de culto.



Cursos e workshops de literatura, ciclos de tertúlias, serviços de cafetaria, concertos, exposições e até objectos de arte. Para não fecharem, as livrarias abrem-se à mudança.
De pé, às voltas com o desdobrar de um mapa-mundo, Margarida inclina e estica o corpo até baixar os braços. «Há por aí um voluntário?».
O pedido revira cabeças e mobiliza duas mãos para a ginástica de situar coordenadas sobre a parede. Um sobe e desce de dedos assinala no mapa 10 meses de viagem: a lua-de-mel de Margarida e Luca.
Ela portuguesa, ele italiano, ambos de regresso à Lisboa de partida e de morada, desembrulham da bagagem aventuras palmilhadas por 16 países.
«Na Ásia éramos como estrelas de Hollywood. Aquilo é uma loucura com as fotografias», conta Margarida, com o álbum de peripécias aberto na Malásia. «Estávamos de visita a um mosteiro e quando demos por nós ficámos rodeados de miúdos. Foi de tal maneira que perdi-me do Luca. Eu ali toda preocupada e sabem onde é que o encontrei? A dar autógrafos...».
Atrás de mais episódios desta história, uma fileira de curiosos engrossa a clientela da livraria Palavra de Viajante, pelo espaço de uma tertúlia transformada num ponto de encontro de experiências de voo.

Criar alternativas aos espaços de massificação
«A ideia é dar a conhecer mais do mundo através de relatos de viagens», explica a sócia Ana Coelho, dinamizadora das tertúlias 'Palavra ao Viajante', nascidas «para moldar a identidade do espaço» e afastar os maus presságios. «Não acredito que as livrarias estejam condenadas à morte. Pelo menos não as deste tipo, pequenas, especializadas e com uma relação próxima com os clientes. Acho que o futuro do comércio passa por isto: criar alternativas aos espaços de massificação».
Mais do que um cenário distante e hipotético, o esforço de diferenciação – que na Palavra de Viajante se mede também pelo Café do Viajante, onde se servem almoços e se reservam jantares de grupo – apresenta-se já como uma estratégia de negócio do sector.
«Tal como as editoras têm de se reinventar para sobreviver, também as livrarias têm de reinventar a forma como trabalham, convertendo-se em verdadeiros espaços de experiências», defende Rui Gomes Araújo, presidente executivo da Babel.
Além das palavras, o responsável daquela que se projecta como «a principal casa de língua portuguesa no mundo» reveza-se nos exemplos, enumerados entre objectos de arte da Fabrico Infinito, antes apenas galeria de arte, agora também livraria.
«A pensar no tipo de público que temos aqui, na maioria turistas, em vez de oferecermos apenas livros de Fernando Pessoa, vendemos pequenos artigos personalizados. Como óculos, t-shirts com frases do autor ou azulejos com a sua imagem».
Em cada peça, Gomes Araújo encaixa a mesma variação: «O centro do negócio deixou de ser o livro e passou a ser o autor».
Significa, então, que as páginas de histórias passaram para segundo plano? Sim e não, defende o responsável da Babel. «Por um lado acreditamos que vamos assistir ao crescimento do peso dos livros em formato digital, mas, por outro lado, em alguns segmentos, nomeadamente da arte, prevê-se a valorização do livro como objecto».
Da teoria à prática, fica outro exemplo extraído das prateleiras da Babel dedicadas a Fernando Pessoa.
«Temos uma edição da Mensagem que custa cinco euros, mas há cerca de um ano lançámos outra edição, clonada da original e por isso mais cara. Incluímos apartes do autor, fizemos uma reprodução com o mesmo tecido e o mesmo tipo de papel e, no final, o livro revelou-se um sucesso de vendas porque há ali uma dimensão de objecto extraordinária».
Contas feitas, os mais de 300 exemplares enviados para o Brasil esgotaram, apesar de cada volume custar cerca de 45 euros e de o texto da obra estar disponível online.
Lugar de culto e pólo de atracção turística
Mas, contrapõe José Pinho da Ler Devagar, o sucesso de uma obra não deve ser confundido com o seu êxito comercial. «Isso é uma ilusão. Os livros não têm de ser lidos por milhares de pessoas. Podem ser muito bons e só chegar a 30 ou 40 leitores». Por isso, José Pinho faz questão de se demarcar da lógica do sector. «As livrarias criadas para vender oferecem essencialmente novidades e best-sellers. Aqui é que está a diferença: a Ler Devagar não é uma livraria, é um estado de alma. As pessoas não se deslocam até aqui para comprar um livro que está em todo o lado».
Vêm em busca de títulos que há muito desapareceram dos escaparates, mas, percebe-se pela movimentação de final de tarde, também vêm apenas para estar. Uns de leitura na mão, compenetrados a um canto, outros à conversa, disparados para um café ou um copo de vinho no bar da casa, e, entre uns e outros, os turistas atraídos por tantas recomendações.
«Talvez o New York Times? Não tenho a certeza. Sei que tomei nota e aqui estou eu». De passagem por Lisboa, vinda de Milão e a caminho de Praga, a italiana Stella denuncia as origens forasteiras pela mochila que lhe sobrecarrega as costas, e por um emaranhado de guias e mapas que lhe ocupam as mãos. Apesar de percorrer as estantes quase de uma ponta à outra e de espreitar os caixotes que ainda aguardam arrumação, Stella não vem pelos livros. São os dois andares de espaço que lhe conduzem os passos, entretidos numa espécie de passeio de contemplação.
Talvez tenha sido sugestão de um roteiro do New York Times publicado no ano passado, ou de um qualquer blogue de viagens, mas desde o início do ano que pode ser mais do que isso: em Fevereiro, a Ler Devagar foi eleita uma das 20 livrarias mais bonitas do mundo.
A distinção, assinada pelo site norte-americano FlavorWire, especializado em temáticas culturais, destacou também a portuense Lello como um «lugar onde qualquer um gostaria de viver».
A elevação da livraria a território de culto, recentemente repetida nas páginas do New York Times – «Esta Ler Devagar distingue-se de qualquer outra» – parece obedecer a uma bem engrenada estratégia comercial, agora também alargada a uma discoteca, exclusivamente dedicada a álbuns de música portuguesa e africana.
Mas, de novo, José Pinho depura confusões: «Não queremos competir com ninguém. Sempre tivemos o nosso bar, a nossa música, os concertos, as exposições, mas nunca estivemos nem estamos orientados para grandes volumes de negócio».
Aposta no online e cursos literários
É caso para concluir que a sobrevivência neste meio, controlado por espaços de venda massificada como a Fnac e caracterizado por uma progressiva dispersão de pontos de comercialização – das bombas de gasolina aos supermercados – passa por remar contra a lógica dominante?
Um não redondo demarca a abordagem ao mercado de Jaime Bulhosa, da Pó dos Livros. «Não se trata de contrariar uma tendência. A questão é que editam-se cerca de 16 mil novos títulos por ano e nenhuma livraria consegue ter tudo. Por isso há que fazer escolhas, e nós assumimos que o livreiro não pode ser apenas um comerciante dependente das vendas. Tem de ser um agente cultural, divulgar e incentivar a leitura».
O papel, que Jaime Bulhosa assume sem reservas, concretiza-se entre workshops de literatura e colóquios organizados em parceria com a Universidade Nova.
«A ideia é atrair outros públicos porque esta é essencialmente uma livraria de bairro e com a queda das vendas de impulso, de quem passa aqui_à porta, tornou-se ainda mais importante dinamizar a actividade».
Sempre à volta das leituras, a programação da Pó dos Livros corre o mundo online, sobretudo a partir da página da livraria no Facebook, mas também através da blogosfera e do Twitter. «É uma forma de transmitirmos informação e de mantermos a ligação permanente às pessoas», explica o livreiro, voltado para a eficácia dos novos canais de comunicação. «Quando divulgamos um livro no Facebook, notamos que no dia seguinte já há procura».
A coincidência devolve-nos ao ponto de partida do texto, concretizado a partir de cruzamentos online. «Descobri a Margarida e o Luca por causa de umas fotografias da Patagónia e da Antárctida de que andávamos à procura. Acabámos por trocar mensagens por Facebook e pelo blogue deles [lostintravel], e daí surgiu o desafio da tertúlia».
Tão automático quanto isso, o processo permitiu a Ana Coelho animar a programação da livraria Palavra de Viajante e inaugurar um novo capítulo no negócio. Escrito em jeito de relançamento das vendas.