A
grande exposição Los Otros Cielos, que se inaugura nesta terça-feira no
Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires, é a mais ambiciosa das muitas
iniciativas que estão a assinalar, um pouco por todo o mundo, o centenário do
escritor argentino Julio Cortázar, autor de Histórias de Cronópios e de
Famas (1962) e do romance experimental Rayuela (1963).
Ponto
alto do Ano Cortázar 2014, o programa de comemorações que o Estado argentino
está a promover para celebrar o centenário de Julio Cortázar, a exposição Los
Otros Cielos – cujo nome ecoa o título de um dos contos do livro Todos os
Fogos o Fogo (1966) – atravessa toda a vida de Cortázar através dos
arquivos pessoais que o autor deixou, e que incluem documentação vária,
correspondência, fotografias, e mesmo filmes domésticos, rodados em super-8 e
nunca antes mostrados no país, ou os móveis que o autor possuía na sua casa de
Saignon, no Sul de França.
Organizada
em 12 núcleos temáticos, a exposição que se inaugura nesta terça-feira no Museu
Nacional de Belas Artes (MNBA) de Buenos Aires – no dia em que se cumprem
exactamente cem anos sobre o nascimento do escritor em Ixelles, nos
arredores de Bruxelas – está organizada de modo a tanto poder ser vista
por uma ordem preestabelecida como de forma aleatória. Opção que decerto agradaria
ao autor de Rayuela – o monumental romance experimental de Cortázar
(edição portuguesa da Cavalo de Ferro, com o títuloO Jogo do Mundo – Rayuela),
que também pode ser percorrido de vários modos, cada um deles correspondendo a
uma obra diferente. Se se começar na primeira página, há um livro que acaba no
capítulo 56, mas também é possível iniciar-se a leitura no capítulo 73 e, a
partir daí, seguir-se as indicações deixadas no final de cada capítulo para se
saber o que se deve ler a seguir.
O
curador de Los Otros Cielos, Juan Becerra, explica que a exposição
pretendeu corresponder à versatilidade do próprio Cortázar. “Foi um contista,
um romancista, um viajante, um agitador político, um crítico de arte, um
poeta”, disse Becerra à agência EFE, explicando que tentou “reconstruir essa
figura cheia de matizes e que continua a cativar as novas gerações de
leitores”.
Becerra
vê em Cortázar “um escritor que se move como um aventureiro, que tem algo de
Che Guevara e de Tintin”, e tentou que a exposição reflectisse essa sua
característica: “Se há uma ideia geral que possa reunir numa só órbita os
planetas que compõem Los Otros Cielos, é a ideia de inquietude.”
Complementando
esta exposição, o MNBA inaugura também nesta terça-feira uma segunda mostra,
intitulada Los Fotógrafos: Ventanas [janelas] a Julio Cortázar, que dá a
ver o escritor através do olhar de fotógrafos profissionais, como o espanhol
Antonio Gálvez ou as argentinas Sara Facio e Alicia D’Amico.
O
programa de comemorações do centenário daquele a quem o ficcionista mexicano
Carlos Fuentes, sublinhando o carácter revolucionário da sua obra, chamou “o
Simón Bolívar do romance” incluirá um congresso internacional na Biblioteca
Nacional argentina, Lecturas y Relecturas de Julio Cortázar, com núcleos
temáticos que não esquecerão as muitas paixões de Cortázar, do cinema ao jazz e
ao boxe, e ainda o programa RompeCortázar, no Palais de Glace (um edifício
de Buenos Aires que reproduz o estilo francês da Belle Époque), que reúne
trabalhos de escritores e artistas visuais a partir de oito histórias breves do
autor de Bestiário (1951) e de outros volumes de contos, como As
Armas Secretas (1959) ou Queremos Tanto a Glenda (1980). Os dois
últimos acabaram de ser lançados em Portugal pela Cavalo de Ferro.
Também
a Fundação José Saramago não quis deixar passar em claro o centenário de
Cortázar, e dedica-lhe o número de Agosto da revista Blimunda(que pode
ser descarregada gratuitamente), publicando um texto de Carlos Fuentes
sobre o amigo argentino, um artigo de Dulce María Zuñiga, a coordenadora da
cátedra Julio Cortázar na universidade mexicana de Guadalajara, uma entrevista
com o catalão Carles Álvarez Garriga, um dos grandes especialistas na obra de
Cortázar e organizador do livro póstumoPapéis Inesperados (2009), e um
texto do jornalista brasileiro Ricardio Viel sobre os cem anos do “maior
cronópio de todos” (os amigos e admiradores de Cortázar chamavam-lhe
afectuosamente Cronópio-Mor).
E
foi precisamente nas Histórias de Cronópios e de Famas que o cineasta
argentino Julio Ludueña se inspirou para o seu filme de animação homónimo, que
se estreia na quinta-feira em Buenos Aires.
Julio
& Carol
Já
em fase de conclusão está também o documentário Julio & Carol, do
canadiano Tobin Darlymple, que investigou a história de amor de Cortázar e da
sua segunda mulher, a escritora, activista e fotógrafa americana Carol Dunlop,
com quem o escritor viveu em Paris. Darlymple recolheu um grande número de testemunhos
e teve a sorte de conseguir encontrar a velha furgoneta Volkswagen Kombi em que
Cortázar e Carol fizeram a viagem pela auto-estrada Paris-Marselha que está na
origem do livro que o casal escreveria a meias: Los Autonautas de la
Cosmopista (1982). (Jornal Público)