Este
sol é português. Nasce lá na distância do cosmos, a milhares de quilómetros,
mas aqui, esta alegria que toca a pele e a paisagem, que ilumina e aquece, é
portuguesa. Podia mesmo ter passaporte, documento que guardaria no bolso e que
apresentaria à passagem pelas fronteiras, diante do olhar circunspecto do
polícia, a testá-lo na máquina, a escrever qualquer coisa no computador e a
perguntar: vai em turismo?
O
fado é universal. No auditório de qualquer continente, cantado por um homem ou
por uma mulher, é universal. Acompanhado por aquela guitarra também universal,
existe naquele lugar humano, onde as pessoas não têm nacionalidade. O fado
circula livremente, não precisa de ser declarado como os produtos electrónicos.
Depois de tirar o cinto, depois de descalçar os sapatos, o fado não apita na
máquina dos metais. O fado existe em discos, mas os discos não são o fado. O
fado existe na internet, mas a internet não é o fado. O fado é maior do que a
internet, é mais universal.
Este
vento é português. Não o vento das caravelas, esse já não existe, foi
importante para quem lhe deu utilidade, mas gastou-se. A memória do vento das
caravelas também é portuguesa, é património imaterial português. Mais concreto,
no entanto, é este vento, soprado neste preciso instante. Tudo nele é
português: o cheiro, a temperatura e até um certo silêncio. Este não é o único
vento português, há muitos mais, com diferentes idades, velocidades e
espessuras. No moinho ou na vela das pranchas de windsurf, no Cabo da Roca, ao
longo do Douro ou nas ruas de Beja, vento raro, aragem nocturna, é sempre
português.
A
língua em que falo e escrevo é universal. A língua que a minha mãe começou a
ensinar-me, sílaba a sílaba, é universal. Escrita, falada ou pensada, pode ser
utilizada em qualquer ponto do planeta ou do universo. Repara no teu próprio
exemplo: onde estás? Se estiveres a ler estas palavras traduzidas noutra
língua, agradece ao tradutor e sabe que, desse modo, ainda mais se demonstra a
universalidade desta expressão, desta matéria. Assim se revela a sua capacidade
de movimento e adaptação, características primeiras daquilo que pode existir em
todos os lugares e em todos os momentos.
Esta
terra é portuguesa, a não ser que se encha baldes com ela, é para isso que
servem as pás, e que se transporte em camiões ou em grandes navios através das
fronteiras. Nesse caso, se tiver sido legitimamente adquirida, passará a ser
terra desses países e, com muita probabilidade, continuará fértil. Assim,
talvez se possa afirmar que esta terra é universal, a não ser que esteja
debaixo dos meus pés, que sustente todo o peso da minha casa, a não ser que os
meus mortos estejam enterrados e dissolvidos nela.
Sol
e música, vento e língua, terra e tempo, somos aquilo que nos compõe.
Respiramos ar que estava à nossa espera, que nos pertence, respiramo-nos a nós
próprios. Da mesma forma, quando temos sede, bebemos água que se transforma em
nós. São indefinidas e ambíguas as fronteiras entre nós e o mundo. Em todos os
instantes, ao mesmo tempo, somos portugueses e universais.
por
José Luís Peixoto
UP
Magazine – TAP Air Portugal
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