Morreu
o mais velho realizador do mundo em atividade. Manoel Cândido Pinto de Oliveira
nasceu a 11 de dezembro de 1908 no Porto.
Morreu
o realizador Manoel de Oliveira, aos 106 anos, confirmou à agência Lusa fonte
familiar. Era o mais velho realizador do mundo em atividade."A atividade
do cinema é uma atividade artística, a última das artes, a Sétima Arte",
dizia.
Manoel
de Oliveira nasceu a 11 de dezembro de 1908 no Porto, embora o registo fixe a
data de nascimento no dia seguinte.
Depois
de uma participação num filme de Rino Lupo, em 1928, estreou o primeiro filme
como realizador, a curta-metragem documental Douro, Faina Fluvial em
1931. O último, O Velho do Restelo, estreou-se no ano passado, por ocasião
do seu 106.º aniversário. Foram 83 anos de carreira e dezenas de filmes que
contam a história do cinema em Portugal.
Em
2011, entrevistado pelo DN, Manoel de Oliveira confessava: a morte "não me
assusta nada. O sofrimento, sim, a morte não".
E
revelou pensar no mundo espiritual como se fosse uma porta que dá algum
lado."Há um poeta português que disse que o espírito é como o ar que se
respira. Eu fiquei com essa ideia. E, ultimamente, há um outro escritor que diz
que o espírito é como o ar que se respira. Fiquei muito emocionado nesse livro,
que eu li era muito novo. Fiquei sempre a pensar... E agora, pensando melhor,
realmente, quando se morre, solta-se o espírito. O espírito é como o ar que
sai. E o espírito sai e junta-se. Ao sair, perde a personalidade, onde está
todo o bem e todo o mal, liberta-se desse bem e mal e junta-se ao absoluto, que
é a configuração do espírito, o absoluto. É Deus."
Sempre
lúcido em relação à vida e à morte, Manoel de Oliveira acreditava que a
longevidade "era um capricho e o cinema uma paixão".
"Tanto faz que o
meu cinema exista ou não exista"
Em
2013, em entrevista à revista francesa Cahiers du Cinema, deixava um
lamento: "Eu penso que no país há uma grande indiferença pelo que já
realizei. Tanto faz que o meu cinema exista ou não exista". Rodou o último
filme, "O velho do Restelo", já no jardim próximo de casa, no Porto,
com quatro atores de eleição: Luís Miguel Cintra, Ricardo Trepa, Diogo Dória e
Mário Barroso.
À
mesma revista, Manoel de Oliveira revelou que tinha concluído o argumento para
um outro filme centrado nas mulheres que fazem as vindimas e a adaptação de
"A missa do Diabo", do autor brasileiro Machado de Assis. Nas últimas
décadas teve sucessivos projetos cinematográficos, uns mais amados que outros,
uns mais premiados que outros, mas sempre fiéis a uma estética cinematográfica
individual.
O
primeiro contacto com o cinema foi como ator, quando aos 19 anos fez figuração
no filme "Fátima Milagrosa", de Rino Lupo, e com algumas experiências
com cinema de animação. A paixão pelo cinema rivalizava com o gosto pelo
atletismo (foi campeão de salto à vara) e pelo automobilismo, modalidade em que
conquistou alguns prémios.
"Douro,
Faina Fluvial", uma curta-metragem documental sobre a vida nas margens do
rio Douro, foi o primeiro filme que Manoel de Oliveira rodou, então com 23
anos, com uma câmara oferecida pelo pai. A estreia desse filme aconteceu a 19
de setembro de 1931, no mesmo dia em que morreu Aurélio da Paz dos Reis, considerado
o pai do cinema português.Hoje o filme é largamente elogiado, mas na altura foi
mal recebido pelo público, tal como "Aniki-Bobó", o seu primeiro
filme de ficção, estreado em 1942.Com uma longa-metragem e uma mão cheia de
pequenos filmes, Manoel de Oliveira quase abandonou o cinema, por falta de
apoios financeiros.
O
silêncio, durante o qual se dedicou à lavoura e à reflexão sobre o cinema, como
o próprio disse em entrevistas, durou até 1956, quando estreou a curta-metragem
"O Pintor e a Cidade", o seu primeiro filme a cores.
A primeira conquista
A
primeira grande conquista junto do público ocorreu na década de 1960 depois de
"O Acto da Primavera", em 1962, ano em que foi detido pela PIDE,
precisamente numa sessão pública de apresentação do filme, no Porto. Foi também
com "O Acto da Primavera" que Oliveira recebeu o Grande Prémio do
Festival de Cinema de Siena, em Itália, em 1964. Um ano depois a Cinemateca
Francesa rendeu-lhe uma homenagem com uma retrospetiva.
Nos
anos 1970 realizou a "tetralogia dos amores frustrados", com "O
Passado e o Presente" (1971), "Benilde ou a Virgem Mãe" (1975),
"Amor de Perdição" (1978) e "Francisca" (1981).
Em
1985, com 77 anos, recebeu o "Leão de Ouro" do Festival de Veneza, em
Itália, e em 1989 foi condecorado pelo então Presidente da República, Mário
Soares, com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique.
"Non,
ou a Vã Glória de Mandar", uma visão sobre a identidade portuguesa a
partir da revolução de 25 de Abril de 1974, abriu uma nova etapa na filmografia
de Oliveira, que a partir de então realizou e estreiou, em média, um filme por
ano.
Entre
eles estão o autobiográfico "Viagem ao Princípio do Mundo" (1997),
com Marcelo Mastroianni, "Palavra e Utopia" (2000), sobre o Padre
António Manuel Vieira, "Um Filme Falado" (2003), uma viagem pelo
Mediterrâneo e pela civilização ocidental, e "Cristóvão Colombo - O
Inigma" (2007).
Quase
toda a obra de Oliveira faz também uma aproximação ao teatro, que o próprio
reconheceu e sublinhou.
Uma
Palma de Ouroem Cannes
Fora
do enquadramento da câmara, Manoel de Oliveira também experimentou a encenação
de teatro, admitindo que a prática teatral estava muito ligada ao seu cinema.
Em
2008 festejou cem anos de vida rodeado de técnicos e atores, enquanto filmava
em Lisboa "Singularidades de uma rapariga loura", e recebeu a Palma
de Ouro de Carreira em Cannes, um prémio que se junta ao Leão de Ouro de
carreira que Veneza lhe entregou em 2004.
O
público português reconheceu-o como figura incontornável da cultura, mas o
elogio nem sempre se traduziu em sucesso nas bilheteiras de cinema.
Houve
quem lhe criticasse a ausência de direção de atores e a repetição de fórmulas,
mas são mais os elogios, pelo toque de genialidade, pela interpretação da
História de Portugal, pela visão muito particular e sensível do cinema e do
mundo, pela representação do cinema português no estrangeiro.
Em
dezembro de 2014, Manoel de Oliveira foi distinguido com a Legião de Honra
francesa, por uma carreira que o embaixador francês em Portugal, Jean-François
Blarel, descreveu como "fora do comum".
Na
esfera privada, Manoel de Oliveira era casado, desde 1940, com Maria Isabel
Brandão Carvalhais, de quem teve quatro filhos. (DN – 02.Abr.2015)