Tati não depositava muita
confiança na capacidade dos adultos para saberem existir livremente. O sopro
anárquico estava reservado para as crianças e para os animais, criaturas que
não reconheciam barreiras. Em O Meu Tio esta ideia surge limpidamente exposta:
os únicos que saltitam alegremente entre os espaços delimitados do “antigo” e
do “moderno” sem ficarem presos em nenhum são um grupo de crianças e uma
matilha. E Hulot, claro, filmado como espécie de “inconsciência” que guardou um
toque de infância e, porque não?, uma medida de animalidade. (Jornal Público –
Ipsilon – 21.Agosto.2015)
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
domingo, 9 de agosto de 2015
O que andamos a ler enquanto molhamos os pés.
Em
tempo de férias, são muitos os que aproveitam para pôr as leituras em dia, em
todo o mundo. Nos EUA, Harper Lee domina os tops. A Rapariga no Comboio, de Paula Hawkins, está um pouco por toda a
parte e Portugal não é exceção...
Portugal
fica de fora, por um desfasamento editorial remendado nos próximos meses, do
alcance intercontinental - Londres, Paris, Nova Iorque - de dois dos maiores
êxitos editoriais que o verão testemunha e, até certo ponto, apadrinha: a
versão masculina das peripécias eróticas mais faladas nos últimos anos, com a
autora E.L. James a esticar a corda em Grey (As Cinquenta Sombras de Grey
narradas por Christian), sucesso comum aos três polos referidos, e o regresso
de Scout e Atticus Finch pela mão de Harper Lee em Go Set a Watchman, comandante
segura das listas de mais vendidos em paragens anglófonas. Tal como cá, a
versão francesa está agendada para o outono. Tanto nas Ilhas Britânicas
como nos Estados Unidos, a veterana parceira de Truman Capote alcança uma
improvável dobradinha: aproveitando o empurrão de uma sequela escrita antes (é
mesmo assim, por estranho que pareça) e o 50.º aniversário da publicação
original, Mataram a Cotovia regressa às listas de mais vendidos. O que não pode
deixar de saudar-se; haja algo de mais duradouro do que as fugazes levezas
estivais.
Em
Portugal, além de Hawkins e dos comboios, de Enders e dos intestinos, da
chegada em crescendo de Johanna Basford e O Jardim Secreto (o "pinte você
mesmo", outra vez), de Green e das cidades, pode entrar-se pelo território
muito abrangente da não ficção. E isso pode acontecer em velocidade com Running
- Muito mais do Que Correr, de José Soares, manual de exaltação das vantagens e
das ramificações da corrida na nossa vida de todos os dias. Nota: levar a vida
a correr não é uma variante contemplada. Juntam-se-lhe uma investigação, um
alerta e um testemunho. Respetivamente, o diver-tido, esclarecedor e
comparti-mentado à medida da concentração estival Puxar a Brasa à Nossa
Sardinha, da jornalista Andreia Vale, que parte em busca da origem e do devir
de expressões que utilizamos na nossa linguagem corrente; Dicionário de Erros
Frequentes da Língua, de Manuel Monteiro, pode mostrar-se um auxiliar poderoso
para baixar o nível das consecutivas agressões ao património que mais vezes
utilizamos; O Que Vejo e não Esqueço, de Catarina Furtado, narrativa rigorosa -
e nem por isso menos suscetível de prender e cativar - de uma vida que vai
muito além daquilo que lhe conhecemos na sua profissão e nas suas artes. A
honestidade não afeta a envolvência; a emoção não minora a justiça. Para alguns
(não para todos), uma belíssima surpresa. (DN - 9.Agosto.2015)
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