A
redescoberta dos compositores portugueses activos em Espanha no século XVII
pelo maestro Albert Recasens e um passeio pelas ribeiras de Terges e Cobres no
vale do Guadiana no encerramento do Festival Terras sem Sombra.
A
estreia em Portugal do agrupamento La Grande Chapelle, dirigido pelo maestro e
musicólogo Albert Recasens, com o programa “Inesperado Resgate: Compositores
Portugueses na Espanha do Siglo de Oro”, levou no passado sábado um amplo
público à Sé de Beja, sugestivo cenário barroco para a audição da música de
Manuel Machado (ca. 1590-1646), Fr. Manuel Correa (ca. 1600-1653), Fr. Filipe
da Madre de Deus (ca. 1630- ca. 1687) e Juan Hidalgo (1614-1685) em
interpretações que combinaram rigor histórico e impacto expressivo. Este foi o
último concerto da 12.ª edição do Festival de Música Sacra do Baixo
Alentejo – Terras sem Sombra (FTSS), este ano sob o tema Torna-Viagem:
o Brasil, a África e a Europa – Da Idade Média ao Século XX (ver
PÚBLICO de 19 de Novembro de 2015).
Organizado
pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, o
FTSS assenta em três pilares que articulam a divulgação do património
arquitectónico religioso com concertos e acções no âmbito da biodiversidade.
Assim, antes do concerto de sábado foi assinalado o fim das obras de restauro
da Igreja de Nossa Senhora ao Pé da Cruz, com o apoio da associação Portas do
Território, a qual constituiu também uma importante parceria nas recentes obras
de requalificação da Sé de Beja.
Esta
foi a segunda edição programada pelo crítico musical Juan Ángel Vela del Campo
— o terceiro director artístico, depois de Filipe Faria (2003-2010) e
Paolo Pinamonti (2011-2014) — pelo que os intercâmbios ibéricos estiveram em
destaque, com um exemplo emblemático no programa de La Grande Chapelle,
dedicado à música do tempo da monarquia dual (1580-1640). Com uma importante
discografia composta por programas temáticos em torno da música ibérica dos
séculos XVI a XVIII, este agrupamento dispõe de uma etiqueta própria (Lauda)
criada em 2005.
O
seu último CD, Música para el Rey Planeta, é dedicado a Juan Hidalgo,
mestre da câmara real de Felipe IV e Carlos II de Espanha e um dos
protagonistas do concerto de Beja, juntamente com os portugueses Manuel Machado
(harpista e compositor ao serviço de Filipe IV em Madrid), Fr. Manuel Correa
(carmelita calçado em Madrid e mestre de capela das catedrais de Sigüenza e
Saragoça) e Fr. Felipe da Madre de Deus, activo em Sevilha e nas cortes de D.
João IV e Afonso VI, já depois da Restauração. Vilancicos e tonos
humanos e a lo divino, ou seja, de carácter profano ou sacro, foram
criteriosamente encadeados, tendo em conta contrastes de carácter, variedade de
texturas (mais contrapontísticas ou mais concertantes) e escolhas tímbricas.
Quatro cantores com fortes afinidades com este repertório (ainda que o tenor
tenha optado por uma abordagem mais lírica), entre os quais se destacou a
soprano Eugenia Boix, pelo timbre cintilante e clareza na transmissão do texto,
apoiados por instrumentistas experientes nos códigos da música renascentista e
barroca proporcionaram interpretações depuradas de grande expressividade e
eloquência retórica. Obras mais contemplativas como Ojos mios qué teneis? e Y
las sombras de la noche, de Correa — uma revelação face aos mais conhecidos
Machado e Hidalgo —, contrastaram com a graciosidade rítmica e a teatralidade
das páginas de Hidalgo e Madre de Deus. Recasens dirigiu com precisão,
elegância e sentido de estilo, deixando os seus músicos expressar-se de forma
autónoma nas peças mais camarísticas e nas versões instrumentais.
Passeios
em Terras sem Sombra
No
domingo, sob um sol abrasador, mais de 50 pessoas realizaram o percurso que
conduziu às ribeiras de Terges e Cobres, cujos cursos de água contribuem para
criar verdadeiros “oásis” de biodiversidade. O passeio foi orientado pelo
biólogo Pedro Rocha e terminou na unidade de agroturismo Xistos, onde foi
realizada uma homenagem a Armando Sevinate Pinto (1946-2015), primeiro
presidente do conselho de curadores do FTSS, e a Manuel de Castro e Brito
(1950-1916), outro amigo do festival. “Um dos aspectos primordiais é o convívio
entre músicos, espectadores e convidados, a experiência não se esgota na ida ao
concerto”, disse ao PÚBLICO o director-geral, José António Falcão. “O público
tem vindo a crescer, temos mais jovens e cada vez mais estrangeiros”, conta. Refere
também que está a ser realizado um estudo sobre o festival ligado ao turismo
ambiental. (Jornal Público – 21 Jun 2016)