Há quatro motivos para achar
que junho é o melhor mês do ano. O
primeiro é que faço anos – e desculpem o egocentrismo, mas comemorar
aniversários quando o calor começa a chegar mas ainda ninguém foi de férias é
passaporte para celebrações épicas, na minha vida a passagem de ano sempre se
fez com alegria, dança, muita festa. Depois há estas três coisas: os Santos
Populares, o cheiro a sardinha nas ruas e a Feira do Livro. São coisas que me
fazem sentir lisboeta, traços da minha autenticidade citadina, mesmo que tenha
crescido fora. Junho sempre foi o mês do esplendor alfacinha, os dias em que os
cidadãos se lembram de quão amável é a Polis que ocupam o resto do
ano, em que a urbe se mostra de saias curtas, camisas de alças e sorriso
franco. Não há outra altura em que me lembre tantas vezes do quanto amo esta
cidade.
O
meu problema é este: começo a ter sérias dúvidas de estar a viver um amor
correspondido. E posso explicar assim: cobraram-me no outro dia dois euros por
uma sardinha assada e uma fatia de pão. Protestei e ouvi a resposta que não
queria. «Queres, queres, não queres, há quem queira.» E havia. Dois alemães que
lambuzavam os dedos em Alfama numa barraca no largo de São Miguel, a debicar o
peixe como eu queria fazer, como eu costumava fazer, e há meia dúzia de anos
isso era privilégio por 50 cêntimos.
No
domingo passado paguei 1,60 euros por uma cerveja na Feira do Livro. Vinte
centilitros sem lugar sentado, consomes de pé e tens sorte. «Queres, queres,
não queres, há quem queira.» Dei uma volta pelas carrinhas de comida, vi que
que as roulotes tinham passado a chamar-se food trucks e vendiam
coisas cem por cento orgânicas. Obrigado. Vi um wrap de alface com
queijo ser cobrado a 5,50 euros e um hambúrguer a 6,50, com queijo, alface e
tomate. Havia livros do dia bem mais baratos, sim, promoções nas estantes, que
é isso a Feira. Mas a Feira, que era de toda a gente, está agora a dizer que se
tornou coisa de poucos, palco de privilegiados e vaidosos, desses que comem wraps cem
por cento orgânicos, duas folhas de alface e uma fatia de queijo a 5,50 euros.
Preços de aeroporto, pois, afinal para que querem os pobres ler?
Em
1975, Gabriel Garcìa Márquez enviou um postal ao seu amigo Juan Gossaín onde
dizia que Lisboa era a maior aldeia do mundo. E é isso que explica a força que,
ainda hoje, as Marchas Populares congregam. Eu torço pela Mouraria, ainda que
ache que Alfama se sabe engalanar como nenhum outro bairro, que a Bica é linda
e a Madragoa um espanto. E sabem que mais? As marchas dos bairros já não são
feitas pelas gentes dos bairros. Na Mouraria, em Alfama, na Bica e na Madragoa
mais de metade dos marchantes vivem no Algueirão, em Queluz, em Santo António
dos Cavaleiros. Têm raízes na cidade, sim, mas a cidade anda a dizer-lhes que
eles já não são dali, que não podem viver ali. E Lisboa aproveita-se deles em
junho, mas não os quer no resto do ano.
Como
é que se explica isto? Segundo a Pordata, entre 2001 e 2014 a população da Área
Metropolitana de Lisboa cresceu de 2,678 para 2,809 milhões de habitantes – e a
perspetiva é que a região chegue aos três milhões antes do final da década.
Lisboa, por outro lado, tem visto descer a sua população a pique, hoje somos
509 312 lisboetas, menos 53 837 habitantes do que em 2001. Em 1960, éramos 802
230. Temos uma cidade mais bonita do que nessa altura, quase tantos edifícios
recuperados quanto abandonados. Mas junho, mês das festas da cidade, devia
servir para pensarmos um bocadinho para onde caminhamos. E o primeiro passo é
assumir o ponto onde estamos, o de despovoamento e submissão ao dinheiro
forasteiro. É por isso que eu apresento estas propostas.
Que
a Feira do Livro passe a chamar-se Book Town e tenha ainda mais food
trucks com comida cem por cento orgânica, a preços de aeroporto. A sério,
é giro. Que as sardinhas passem a ser anunciadas como finger fish, porque
se podem comer com os dedos e isso permite aumentar os preços – vá, 3,50 euros
cada uma. Talvez até vendê-las num menu very tipical, que também inclua
pastéis de bacalhau com queijo da ilha. E, por fim, que se alarguem as Marchas
de Lisboa aos bairros onde elas realmente existem. Cova da Piedade, Reboleira,
Alverca. Agora a sério, é isto que andamos a fazer, mais vale assumi-lo de vez.
Então eu anuncio já a minha preferência: a Tapada das Mercês é liiiiiinda.
De:
Ricardo J. Rodrigues
Leia mais: June in Lisbon http://www.noticiasmagazine.pt/2016/june-in-lisbon/#ixzz4B4zEvkf0
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