É
um cineasta maior, uma das referências incontornáveis de um cinema livre e
inconformista gerado num país sem indústria, mas com uma força imagética em que
muitas vezes não acreditamos.
Quando
morre um grande cineasta – Paulo Rocha, esta manhã, aos 77 anos –, alguém que
mudou a paisagem representativa de uma cinematografia como a nossa, o pior a
fazer é perder muito tempo com dados biográficos: nasceu no Porto em 22 de
Dezembro de 1935, abandonou os estudos de Direito para ir estudar cinema no
IDHEC, em Paris, foi assistente estagiário do grande Jean Renoir em O Cabo
de Guerra (1962) e assistente de Manoel de Oliveira sobretudo em Acto
de Primavera (1963).
Ou
seja, “viveu” cinema, desde a sua participação na fundação do Cine Clube
Católico com Bénard da Costa ou Nuno Bragança até à sua estreia como realizador
com Verdes Anos (1963), o filme que transformou tudo no cinema
português: da forma de conceber o espaço urbano, integrando na estafada
dicotomia cidade-campo uma nova e radical forma de exílio, até à direcção de
actores – rostos marcantes de uma nova visualidade, como Isabel Ruth, ou a
recuperação de uma irreconhecível teatralidade, como Paulo Renato –, passando
pelas condições de produção e de escrita – um cinema “pobre”, actuante, urgente
e poético. Verdes Anos não representa apenas o início do Cinema Novo,
é o manifesto de uma forma revolucionária de olhar para nós e para as nossas
atávicas contradições, com poucos meios, muita imaginação e com um lirismo
pungente: cerca de 50 anos depois permanece vivo e perturbante, como um retrato
de família de um país e de uma sociedade em ruptura e em carne viva.
Retirado do jornal "Público".
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