O
teatro era a verdadeira “casa” de um actor mais recordado pelos seus papéis de
vilão e por uma cena de dança com Marilyn Monroe.
"Parece
que tenho uma vida dupla", disse em tempos Eli Wallach. "No teatro,
sou o homenzinho, ou o homem irritado, ou o homem incompreendido. No cinema,
passo a vida a ser escolhido para os papéis de mau."
Não
é por isso surpresa que Wallach, falecido esta terça-feira aos 98 anos de
idade, seja mais recordado pelos vilões que interpretou em dois dos filmes mais
icónicos da década de 1960: Os Sete Magníficos (1960), versão westerndos Sete
Samurais de Akira Kurosawa dirigida por John Sturges, e O Bom, o Mau
e o Vilão (1966), terceiro filme da trilogia de westerns-spaghetti de
Sergio Leone. Mas é um destino, no mínimo, irónico para aquele que era um dos
últimos nomes ainda vivos da “primeira fornada” formada na lendária escola de
representação nova-iorquina do Actors Studio, que revolucionou o cinema e o
teatro americanos no período do pós-II Guerra Mundial.
Era
no teatro que o actor nova-iorquino, nascido no bairro de Brooklyn em 1915 e
filho único de emigrantes judeus polacos, se sentia mais à vontade. Embora tenha
continuado a filmar quase até ao fim da sua vida - os seus últimos trabalhos de
nota foram O Escritor Fantasma de Roman Polanski eWall Street: O
Dinheiro Nunca Dorme de Oliver Stone, em 2010 - foi no teatro, do qual se
retirou de vez em 1997, que construiu a sua carreira. Trabalhou repetidamente
com a sua mulher, a também actriz Anne Jackson, que conheceu nos palcos em 1946
e com quem casou dois anos depois. Entre os muitos autores que Wallach
representou contam-se Tennessee Williams (vencendo o Tony por uma produção de A
Rosa Tatuada em 1951), Jean Anouilh, Eugène Ionesco ou Tom Stoppard.
O
“camaleão por excelência”
Wallach
foi um dos primeiros alunos da escola de representação do Actors Studio,
fundado em 1947 e gerido a partir de 1951 por Lee Strasberg. Os seus colegas de
curso chamavam-se Marlon Brando, Montgomery Clift e Sidney Lumet. E estreou-se
no cinema precisamente sob o signo do teatro: foi em Baby Doll(1956),
adaptação de Tennessee Williams sob o comando de Elia Kazan, ele próprio um dos
fundadores da escola.
Entre
as quase duas centenas de filmes e produções televisivas em que entrou, muitos
lembrar-se-ão particularmente de Os Inadaptados (1961), realizado por
John Huston e escrito pelo dramaturgo Arthur Miller, com Clark Gable, Marilyn
Monroe e Montgomery Clift nos papéis principais. A cena em que Wallach dança
com Marilyn, de quem era amigo de longa data e que teria aqui a sua última interpretação
em vida, ficou célebre. Wallach participou também em inúmeras séries
televisivas – como Cidade Nua, Batman, onde interpretou (lá está...)
o vilão Mr. Freeze, ou mais recentemente Nurse Jackie- e no último filme
da trilogia O Padrinho de Francis Ford Coppola (1990).
Eli
Wallach nunca foi nomeado para um Óscar, mas a Academia das Artes e Ciências
Cinematográficas de Hollywood reconheceu a sua carreira no final de 2010,
entregando-lhe o Óscar honorário pela “desenvoltura inata com que interpretou
uma variedade de personagens, ao mesmo tempo que deixou uma marca inimitável em
cada papel”. Chamou-lhe então “um camaleão por excelência”. O “camaleão por
excelência” era algo que vinha da sua extensa experiência teatral - e Wallach
nunca escondeu que, para um actor de composição como ele, "o cinema era
apenas um meio para chegar a um fim", como disse numa entrevista de 1973
citada pelo New York Times. "Vou montar a cavalo para Espanha durante
dez semanas e regresso com uma almofada financeira suficiente para poder montar
uma peça."
Mas
a verdade é que, se Wallach e Anne Jackson se tornaram no “primeiro casal” do
teatro americano nas décadas de 1960 e 1970, foram mesmo os papéis de vilão que
fizeram o nome do actor no grande écrã. Faltou-lhe “aquele” papel que o
atirasse para uma carreira de primeira grandeza – mas a verdade é que o actor
também nunca o terá querido. Como o comprova um daqueles fait-divers que
muitas vezes definem uma personalidade: primeira escolha do realizador Fred
Zinnemann para um papel secundário em Até à Eternidade (1953), Eli
Wallach optou antes por aceitar o convite para uma nova peça de Tennessee
Williams encenada por Elia Kazan, Camino Real. Em seu lugar ficou Frank
Sinatra, que ganhou o Óscar de melhor actor secundário. (Jornal Público – 25.06.2014)
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