quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

TENHO SAUDADES DOS MEUS PADRINHOS.


Tenho saudades da minha madrinha a queixar-se de alguma coisa enquanto lavava a loiça num alguidar. Não se queixava da loiça, apesar do muito que lhe custava manter-se de pé, queixava-se do inverno, maldito inverno, ou queixava-se da morte, esta vida não presta para nada, porque tinha morrido algum homem, que era tão novo, pouco mais de oitenta anos. Tenho saudades do toque de finados da igreja da minha terra. Ecoavam no adro, espalhavam-se por cima de todos os telhados e chegavam até ao campo, onde se dissolviam na aragem.
Tenho saudades do meu padrinho a carregar bolsos cheios de moedas de cinco escudos, que trocava por copos de vinho tinto nas tabernas. Até a dizer bom dia ou quaisquer palavras simples, era capaz de escolher expressões que acrescentavam humor e que nunca agrediam. As portas das tabernas eram sempre um buraco de sombra na cal. O cheiro do vinho estava entranhado nas paredes. Tenho saudades do barulho que fazia o vidro grosso dos copos vazios a bater no mármore. Às vezes, quando se chegava a essas vendas, não estava ninguém. Então, era preciso bater com a palma da mão no balcão e chamar.
Tenho saudades de ver a minha madrinha a pentear os cabelos fracos ao espelho do lavatório. Molhava os dentes do pente na água da bacia. Tenho saudades de caminhar ao lado do meu padrinho nas manhãs de verão, ao rés da parede, os dois cobertos pela sombra. Fazia-me perguntas engraçadas acerca das hortas onde eu e os outros rapazes sabíamos que havia boa fruta para roubar.
Através da distância do tempo, sou ainda capaz de ouvir as suas vozes. Enquanto escrevo estas palavras, ouço-os a repetirem frases que me disseram antes, quando estávamos no mesmo lugar, talvez sem entendermos completamente o enorme valor de estarmos juntos. Ouço o meu nome dito pelas suas vozes, pela maneira especial como cada um deles o dizia. Essa lembrança aumenta ainda mais as saudades. E, no entanto, espero que o futuro nunca me tire essa memória. Prefiro esquecer episódios, histórias, dias inteiros de cismas, do que deixar de ser capaz de ouvir a voz dos meus padrinhos. A minha madrinha a chamar-me, o meu padrinho a chamar-me.
Hoje, ter saudades desse tempo é espécie de uma felicidade enorme por tê-lo vivido, por saber como foi. Sinto falta dos meus padrinhos porque os tive, foram meus e, através das saudades que sinto em dias como hoje, continuam a ser meus padrinhos, mesmo que os sinos da minha terra já tenham tocado por eles há tantos anos.
Mesmo que fosse possível, nunca quereria deixar de sentir saudades dos meus padrinhos, esses velhos que me encheram a vida inteira com as suas certezas, com as suas dúvidas também, com a sabedoria e com os erros que fui capaz de aprender.
A saudade não é tristeza, é comoção.
A saudade é o que fica do amor quando perdemos todo o seu lado físico, deixámos de estar, deixámos de tocar, há uma barreira inultrapassável de espaço ou de tempo, mas o amor continua, permanece. A saudade é esse tipo de amor.
A saudade é o amor.


PORTUGAL MAGAZINE – José Luis Peixoto – Janeiro/2016

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Na América, já se pode viver dentro de um shopping.


O centro comercial Arcade Providence, em Rhode Island, construído em 1828, é o mais antigo dos EUA. Em 2008, fechou as portas devido à crise económica e ao número insuficiente de clientes. Para não perder este edifício histórico, considerado monumento nacional em 1971, o grupo Northeast Collaborative Architects (NCA) decidiu dar-lhe uma segunda vida, transformando o segundo e terceiro pisos em pequenos apartamentos de luxo, com rendas low cost. Segundo o blog americano Inhabitat, são 48 apartamentos, cujas dimensões variam entre os 20 e os 40 metros quadrados. Já existe uma longa lista de espera para aqueles que anseiam viver nestes micro lofts, dentro de um monumento histórico. (Jornal Público – 25.Jan.2015)







quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Morreu Ettore Scola, um dos grandes do cinema italiano.


O realizador italiano Ettore Scola morreu esta terça-feira, aos 84 anos. O realizador de Tão Amigos Que Nós Éramos (1974) e de Feios, Porcos e Maus(1976) e Um Dia Inesquecível (1977) estava internado desde domingo em Roma, revelou a agência italiana ANSA. Era considerado o último dos grandes realizadores da "comédia italiana", categoria que é sempre limitativa, que até foi uma denominação criada com algum sentido pejorativo, e que na verdade diz pouco do que fizeram todos os que a cultivaram ou que por lá passaram - Monicelli, Risi, Comencini, Scola...
Em 2011, tinha posto fim à sua carreira cinematográfica mas em 2013 apresentou no Festival de Veneza Che strano chiamarsi Federico/Que Estranho Chamar-se Federico, filme-homenagem ao seu amigo Federico Fellini com imagens de arquivo. Numa entrevista ao jornal Il Tempo, em 2011, afirmava que dizia adeus ao cinema "sem se arrepender de nada" depois de uma carreira de mais de 50 anos e mais de 40 filmes realizados. Explicou na altura já não se sentir sincronizado com a indústria cinematográfica.
"A minha experiência no mundo da realização já não é o que costumava ser: descontraída e feliz. Hoje há lógicas de produção e distribuição com as quais não me identifico", contou nessa entrevista o realizador, acrescentando que no cinema é fundamental ter-se liberdade de escolha. "Estava a começar a sentir-me obrigado a respeitar regras que não me permitiam sentir livre",afirmou nessa entrevista de 2011.

Estava desiludido, acreditava que já não havia lugar para a criatividade como antigamente. "A crise económica ainda veio agravar mais a situação. Tendo em conta a minha idade, sei que fiz o que devia. Não me arrependo de nada. Trabalhei sempre com uma grande liberdade. Numa certa altura, chega o momento em que o melhor a fazer é retirar-me", acrescentou.


Já antes, em 2009, Scola dizia estar num momento da vida em que o cinema contemporâneo já pouco lhe dizia. “Prefiro gozar da minha velhice”, afirmou ao La Repubblica, garantindo estar a viver “um momento belíssimo”.
Ettore Scola nasceu a 10 de Maio de 1931, em Trevico, Itália. Depois da Segunda Guerra Mundial foi viver para Roma, onde estudou Direito. Contudo, o gosto pela escrita criativa e pelo cinema foi mais forte e, em 1953, iniciou a sua carreira na indústria cinematográfica como argumentista, depois de ter trabalhado como humorista em algumas revistas - meio onde conheceria Fellini, e é sobre esses anos que fala Que Estranho Chamar-se Federico. Durante uma década, contribuiu com material para inúmeros filmes de Dino Risi e de outros realizadores, tendo colaborado frequentemente com Ruggero Maccari, destacando-se desta parceria a comédia Il Magnifico Cornuto  (1964), com Claudia Cardinale. Em 1964, estreou-se como realizador com Se permettete parliamo di donne.
O sucesso internacional chegou em 1974 com Tão Amigos Que Nós Éramos, retrato da sociedade italiana no pós-guerra, dedicado ao seu amigo, actor e realizador Vittorio de Sica, com Nino Manfredi, Vittorio Gassman e Stefania Sandrelli. (Valerá a pena compará-lo com outro balanço geracional, o Amici Miei, de Monicelli, realizado um ano depois: o romantismo de Scola, sempre em tons fúnebres, é a outra face da moeda da vitalidade guerrilheira de Monicelli). Dois anos depois, venceu o prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes, com Feios, Porcos e Maus, talvez o seu título mais conhecido.
Mas o seu grande classico é Um dia Inesquecível  (1977), protagonizado por Sophia Loren e Marcello Mastroianni, que interpretam dois vizinhos que se conhecem em 1938 durante uma visita de Hitler a Itália. Eis um exemplo de como a "comédia à italiana" é coisa redutora: sublime melodrama, história de amor impossível entre uma dona de casa e um homossexual num apartamento fechado - filmado numa das "relíquias" da arquitecura fascista de Roma - Um dia Inesquecível  foi nomeado para dois Óscares: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Actor (Mastroianni). A melancolia, o amor como coisa funesta, são sentimentos de Passione d'Amore (1981), dois anos antes de um dos sucessos da sua carreira, O Baile. (Jornal Público – 20.Jan.2016)

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Casa Manoel de Oliveira vai ser a sede da Fundação Sindika Dokolo na Europa.


A Casa Manoel de Oliveira, no Porto, vai ser a sede na Europa da Fundação Sindika Dokolo. O edifício construído por Eduardo Souto de Moura para o cineasta, mas que nunca foi usado, foi vendido esta segunda-feira por 1,58 milhões de euros a uma empresa denominada Supreme Treasures, Ld.ª, ligada à empresária angolana Isabel dos Santos, casada com Sindika Dokolo. Em comunicado, o empresário diz que o edifício será “um espaço de reflexão e aprendizagem para jovens artistas”
No ano passado, a Fundação Sindika Dokolo apresentou no Porto a exposiçãoYou love me, you love me not, e no momento do balanço foi revelado que a fundação pretendia instalar na cidade a sua nova “antena mundial”. Na altura, a Casa Manoel de Oliveira era apontada como uma das possibilidades para a instalação desse braço da estrutura cultural de Sindika Dokolo, a par com o Palacete Pinto Leite ou o Palácio das Artes da Fundação da Juventude. Agora, o empresário confirma que a escolha recaiu sobre a casa que Manoel de Oliveira nunca usou.
“Ao estabelecermo-nos num edifício como a Casa Manoel de Oliveira, em plena Foz portuense, estamos a afirmar a nossa intenção em contribuir para tornar o Porto ainda mais cosmopolita e mais cultural. Neste espaço vamos promover redes de reflexão artística e fortalecer laços entre Portugal e Angola, a Europa e África, numa ode à Arte enquanto elemento unificador de povos e países”, referiu Sindika Dokolo, num comunicado enviado ao PÚBLICO.
Na hasta pública, que decorreu na manhã desta segunda-feira nos Paços do Concelho, a Supreme Treasures esteve representada pelo advogado Diogo Duarte Campos, que, segundo a Lusa, não quis prestar quaisquer esclarecimentos sobre os rostos por trás da empresa, invocando o “dever de sigilo profissional”. Contudo, de acordo com os registos oficiais, a empresa, constituída em Setembro do ano passado, com o curto capital de mil euros, tem como gerente Mário Filipe Moreira Leite da Silva, que representa os interesses de Isabel dos Santos nos negócios europeus.
Ao longo do dia, a Câmara do Porto garantiu sempre desconhecer quem comprara a casa e qual o uso que lhe seria dado e, depois da confirmação de Sindika Dokolo de que o edifício seria a sede da sua fundação na Europa, o presidente Rui Moreira não esteve disponível para comentar, por se encontrar numa reunião de trabalho sobre o futuro da STCP. Contudo, de manhã, questionado pelos jornalistas à saída dos Paços do Concelho, Rui Moreira disse que gostaria que a casa tivesse uma “componente cultural”, mostrando-se aliviado por se resolver o problema do “abandono” do edifício.
"É uma casa da autoria de Souto de Moura, portanto tem desde logo um impacto relevante na cidade do ponto de vista arquitectónico e era um activo que estava perdido porque o uso para que foi concebido nunca foi concretizado e não foi com certeza por culpa da câmara municipal", disse.
A Casa Manoel de Oliveira, composta por duas fracções, foi construída há quase duas décadas com o objectivo de ser a casa do cineasta e também um espaço de exposição do seu espólio. Contudo, o projecto avançou sem um acordo prévio entre a autarquia e o realizador de Aniki-Bóbó, quanto às condições de uso do imóvel, e desde a sua conclusão, em 2003, que o edifício permanece devoluto.
Em 2007, Manoel de Oliveira acusou o executivo de Rui Rio do fracasso da constituição da casa-museu e já em 2013, a Fundação de Serralves e a sua família assinaram um protocolo para instalar o espólio do cineasta num edifício que será idealizado pelo arquitecto Álvaro Siza para o Parque de Serralves. Em 2014, a Câmara do Porto, já sob a presidência de Rui Moreira, tentou vender o imóvel pela primeira vez, mas a hasta pública ficaria deserta.
Agora, o edifício irá receber a sede da fundação criada em 2003 na capital angolana, Luanda, com o objectivo de promover a arte. Com um espólio de cerca de três mil obras, da autoria de 90 artistas de 25 países, a fundação foca-se, sobretudo, na arte contemporânea e já esteve presente em certames como a ARCO (Madrid), a Bienal de Veneza (Itália) ou o Espaço OCA, em S. Paulo (Brasil).

Em Março de 2015, antes de apresentar no Porto a exposição You love me, you love me not, Sindika Dokolo recebeu da câmara a medalha municipal de Mérito, Grau Ouro. (Jornal Público – 19.Jan.2016)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Woodstock 1969.


The Woodstock Festival was a music festival, billed as "An Aquarian Exposition: 3 Days of Peace & Music". It was held at Max Yasgur's 600-acre dairy farm in the Catskills near the hamlet of White Lake in the town of Bethel, New York, from August 15 to August 18, 1969. Bethel, in Sullivan County, is 43 miles (69 km) southwest of the town of Woodstock, New York, in adjoining Ulster County.

During the sometimes rainy weekend, thirty-two acts performed outdoors in front of 500,000 concert-goers. It is widely regarded as a pivotal moment in popular music history. Rolling Stone listed it as one of the 50 Moments That Changed the History of Rock and Roll.









(Retirado de Vintage everyday)








quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Morreu o pianista e compositor de jazz Paul Bley.


Natural do Canadá, é descrito como "um dos mais criativos improvisadores da história do jazz moderno".
O pianista canadiano Paul Bley morreu no domingo, aos 83 anos, revelou hoje a editora discográfica ECM Records, que o descreveu como "um dos mais criativos improvisadores da história do jazz moderno".
Paul Bley, que atuou várias vezes em Portugal, nasceu em 1932, em Montreal, onde formou o primeiro grupo de jazz, aos 13 anos, mas pouco depois mudou-se para os Estados Unidos, para prosseguir estudos e consolidar uma carreira que se estende por sete décadas.
"Bley envolveu-se naquilo que mais tarde ficou conhecido como 'free jazz', embora nessa altura tenha sentido que a estética desse jazz primordial podia e devia ser incluído numa nova e revolucionária corrente artística", sublinha a editora ECM num texto publicado na página oficial.
Paul Bley também mostrou desde cedo um "interesse pioneiro" sobbre as potencialidades dos sintetizadores e piano elétrico, como refere a editora, que lhe valeu um reconhecimento até pela Sociedade Americana de Física, pela adaptação de sintetizadores áudio para uma apresentação ao vivo, em 1969.
O músico, casado com a compositora Carla Bley, tem o nome associado a outros nomes fundamentais do jazz, como Ornette Coleman, Charlie Parker, Charles Mingus, Art Blakey e Chet Baker, e participou em mais de uma centena de álbuns.
O primeiro álbum a solo foi editado nos anos 1970, precisamente pela ECM. O último saiu em 2014, intitulado "Play Blue", gravado ao vivo em 2008, no Festival de Jazz de Oslo.
Entre as atuações De Paul Bley em Portugal, a solo ou com diferentes formações, conta-se a presença em trio, em 1997, e os concertos a solo, em Lisboa, em 2000, no Centro Cultural de Belém, e em 2009, na Culturgest.

Nesse ano, quando foi anunciado o concerto, o crítico e compositor Manuel Jorge Veloso escrevia na programação da Culturgest: "Com a possível excepção de um Miles Davis, ele foi dos poucos músicos de jazz que sempre estiveram na primeira fila das grandes mudanças qualitativas do jazz, permitindo-lhe a sua inteligência e sensibilidade estética integrar acontecimentos musicais de teor e significado muito diverso". (DN – 6.Jan.2016)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A tradição ainda é o que era... na praia de Carvavelos.


Centenas de pessoas cumpriram a tradição com mais de 50 anos e tomaram o primeiro banho de mar do ano
Apesar do forte vento e agitação marítima, centenas de pessoas juntaram-se ao início da manhã na praia de Carcavelos, em Lisboa, para o primeiro banho do ano, cumprindo uma tradição com mais de meio século.
Trajados de pai e mãe natal, de prisioneiro 33 (alusivo ao número do prédio onde vive o ex-primeiro-ministro José Sócrates, que esteve detido em prisão domiciliária, depois de ter cumprido a prisão preventiva em Évora), ou vestindo imitações de fatos de banho antigos ou de bandeiras de Portugal e de clubes desportivos, dezenas de pessoas venceram o frio e vento e mergulharam no agitado mar de Carcavelos.

Na praia, os bombeiros estavam de prevenção e, junto à zona escolhida para mergulhos, alguns homens tocavam acordeão, junto a umas bancas montadas recheadas com frango assado, bolinhos, batatas fritas ou vinho tinto e pão. (DN-1 Janeiro 2016)