Mataram
a Cotovia' foi o único romance de Harper Lee durante décadas. No ano passado
descobriram no seu espólo o 'Vai e Põe a Sentinela'. Mas parece que há mais um
na arca.
A
otícia correu o mundo em segundos: "Harper Lee morreu". A única
diferença no modo de a revelar aos seus leitores ou admiradores esteve nas
fotografias escolhidas para ilustrar este capítulo final da vida de uma das
mais míticas escritoras norte-americanas. Que se celebrizou por ser autora de
um único livro, que continua a vender milhões de exemplares todos os anos e
atravessou várias gerações de leitores: Mataram a Cotovia, ou Não Matem a
Cotovia, segundo as traduções.
Tal
como as muitas histórias que envolveram o secretismo que Harper Lee exigiu para
a sua vida, também esta de ser autora de um único livro tem várias versões. Ou
seja, só houve a Cotovia durante décadas, até que no ano passado a sua
advogada, Tonja Carter, desencantou o manuscrito original de Vai e Põe uma
Sentinela. Que se passa num tempo após o "único" romance - porque o
editor a obrigou a refazer -, e o deu para publicação apesar de não serem muito
claros os contornos sobre a autorização da própria escritora. Pelo menos esta é
a versão de quem reconhece que Harper Lee estava distante deste mundo há já
algum tempo; incapaz de perceber o negócio literário em marcha, e incapaz de
contrariar a principal decisão da sua vida literária: não publicar um segundo
livro.
Nelle,
como era conhecida por muitos, nasceu em Monroeville, no estado do Alabama, em
abril de 1926. Entre os amigos de infância estava um vizinho que se tornou
famoso, Truman Capote, e que lhe deu algumas dores de cabeça quando a contratou
para a investigação do crime que retratou no seu best-seller A Sangue Frio, mas
a quem não deu nome nos créditos. A amizade praticamente acabou por aí, depois
de terem convivido na cidade que mais impressionou a jovem do interior: Nova
Iorque. Onde Harper Lee conhece o compositor da Broadway, Michael Martin Brown,
que, apreciador do seu talento, decide financiar a futura escritora durante um
ano para que se dedicasse exclusivamente à escrita. E foi o sucesso em livro,
em filme e em adaptações teatrais.
Mataram
a Cotovia é uma história que se mantém atual e que os mais recentes conflitos
racistas nos Estados Unidos evocam demasiadas vezes, mesmo que o romance se
passasse na década de 30, numa povoação do interior onde o jovem advogado Scout
Finch e o seu pai, Atticus, são indicados pelo juiz para defenderem um negro
acusado de violar uma jovem branca. Quanto ao polémico Vai e Põe uma Sentinela,
a história que dá continuação ao cenário de Mataram a Cotovia, o problema é o
de a personagem Atticus ser retratada como tendo ideias racistas. O que já não
agradara décadas antes ao editor de Harper Lee, nem atualmente à maior parte
dos leitores da sequela.
Avise-se
que com a morte da escritora, Tonja Carter ainda poderá provocar uma nova
alteração na biografia da autora de um único livro, já que correm rumores de
que entre o Mataram a Cotovia e Vai e Põe a Sentinela existirá um terceiro
romance. A advogada não se quis comprometer com essa possibilidade mas
confirmou que uma equipa de peritos iria "examinar e autenticar"
todos os documentos que foram encontrados no cofre com o espólio de Harper Lee.
(DN – 20 Fev 2016)
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