Sintetizadores
que dançam com o frenesi do “electro-chaabi” do Cairo. Guitarras tricotadas com
esmero, atentas aos movimentos umas das outras. Uma voz, voz cheia, que se
ergue entre instrumentação esparsa, convocando memórias do Robert Wyatt que se
descobria a solo. Apontamentos electrónicos e instrumentação orgânica.
Ouvimo-lo nos estúdios Golden Pony, Sé de Lisboa nas proximidades. É ali que
Medeiros/Lucas preparam o sucessor do belíssimo Mar Aberto, álbum de
destaque na discografia nacional de 2015
Enquanto
os dedos sábios do produtor Eduardo Vinhas acertam o volume das tarolas ou
corrigem a textura das percussões, Pedro Lucas serve de guia. Ouvimo-lo: “É
como se os navegantes tivessem aportado no norte de África e depois descessem
ao Mali, viajassem até à Etiópia e subissem até à Turquia e aos Balcãs”. Mar
Aberto era viagem trágico-romântica-marítima criada por dois açorianos
(Pedro Lucas, o inventor do Experimentar Na M’Incomoda, e Carlos Medeiros, o
cantor cujo álbum O Cantar Na M’Incomoda, editado em 1998, inspirou o
projecto de Lucas) inspirados nos sonhos de Cervantes.Terra do Corpo, como o
título logo indicia, é de outra natureza. Alargam-se fronteiras e procura-se,
explica Lucas, “o mais imediato, as primeiras ideias e as primeiras intuições”.
Encontra-se também um co-conspirador, chamemos-lhe assim, decisivo para o que
será o álbum a editar no final de Março – em Abril chegarão os concertos de
apresentação.
“Músicos
procuram escritor”, escreveu Lucas no mail que enviou a João Pedro Porto.
Descobrira o escritor açoriano ao ler uma crónica de Valter Hugo Mãe no PÚBLICO
e arriscou. Lucas e Carlos Medeiros queriam as palavras do autor de Porta
Azul para Macau na sua música e o escritor, depois de ouvir a música de Mar
Aberto, empenhou-se em oferecê-las. Todas as letras de Terra do Corpo foram
escritas de raiz para o álbum, inspiradas pelos sons que Lucas ia compondo e
aprimoradas ao sabor da voz e métrica de Medeiros. “Não há uma canção que
represente o álbum”, aponta Pedro Lucas. “Nesse sentido”, pela diversidade
estética, “estará mais próximo do primeiro de Experimentar Na M’Incomoda
[criado sobre recolhas de música tradicional açoriana]”.
Terra
do Corpo contará com convidados como Tó Trips e Rui Carvalho, com o
contrabaixista Carlos Barretto, Selma Uamusse ou António Costa, vocalista dos
Ermo. Como “residentes” da banda, para além de Medeiros e Lucas, encontramos
Ian Carlo Mendoza, Luis Lucena e Augusto Macedo. Há pouco mar e os Açores já só
se vislumbram, com esforço, muito ao longe. Mantém-se o principal. A ideia de
um romantismo encantatório fundado nesse felicíssimo encontro entre a poesia
que brota da voz de Carlos Medeiros e a música que Pedro Lucas descobre em si.
(Jornal Público – 12 Fev 2016)
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