Lakshmi tinha 13 anos quando
foi levada da sua aldeia nos Himalaias, com a promessa de um bom trabalho na
casa de uma família indiana. Ao
chegar a Calcutá, o cenário que encontrou era tudo menos o que lhe foi
prometido a si e à sua família: viu-se confinada às quatro paredes de um quarto
da Hapinness House, um bordel onde foi brutalizada durante anos a fio sem
escapatória possível. A história de Lakshmi não é real, mas representa em muito
as histórias dos milhões de meninas que todos os anos são raptadas para tráfico
sexual. “Sold” é o filme que
lhes dá voz e que promete pôr o mundo a pensar sobre o drama do tráfico humano.
Já
há uns meses escrevi aqui sobre a
hedionda realidade das “Escravas do Poder”, revelada em livro pela
escritora, ativista e investigadora mexicana, Lydia Cacho. As ligações
tentaculares do tráfico humano parecem estender-se a um sem fim de indústrias,
desde o turismo à pornografia, contrabando, venda de órgãos e terrorismo. Um
tipo de crime que atravessa o mundo inteiro, totalmente impune, invisível aos
cidadãos e ignorado por políticos que fingem não ver. Ou que dependem desta
grande rede para manter a sua vida de ostentação. “Sold” conta tudo isso.
Falar
deste tema é essencial. Ao contrário do que muitos pensam, a escravatura
continua a ser um problema dos nossos tempos. Os números não mentem: mais de
vinte milhões de pessoas sofrem atualmente nas malhas do tráfico de seres
humanos, sendo que o trabalho forçado e a escravidão sexual são dois dos
maiores destinos de quem é raptado. No segundo caso, mais de 2 milhões de
crianças fazem parte do rol de vítimas. E em mais de 98% das situações de
tráfico sexual, as meninas e as mulheres são os alvos escolhidos.
CERCA
DE 500 DÓLARES POR CRIANÇA
Há
quase um ano, aquando do terramoto que assolou o Nepal, as autoridades
competentes lançaram um alerta global para a necessidade de ação célere para
evitar raptos massivos de crianças no país. Estima-se que todos os anos cerca
de 15 mil meninas e adolescentes sejam levadas, com destino aos bordéis
indianos. No Nepal, por cada criança estima-se que um traficante receba cerca
de quinhentos dólares. Um crime abominável transformado em negócio para muitos
dos que vivem em países subdesenvolvidos.
Lakshmi
não é uma menina real, mas a sua personagem e todas as suas vivências ao longo
do filme foram criadas com a ajuda de ONG’s que se dedicam precisamente a esta
área de trabalho. Os relatos das inúmeras vítimas resgatadas da teia do tráfico
humano serviram de inspiração para o enredo, que conta ainda com a inclusão da
história real de Lisa Kristine (interpretada
por Gillian Anderson), uma famosa fotógrafa que tem dedicado a sua carreira a
abordar temas fraturantes como a escravidão dos tempos modernos
Baseado
no livro de Patricia
McCormick com o mesmo nome, o filme é realizado por Jeffrey D. Brown e
conta com nomes como Emma Thompson – eterna voz ativa na luta pelos direitos
das mulheres - na produção. Parte das receitas vão ser direcionadas para
organizações que se dedicam a resgatar, reabilitar e devolver à vida vítimas de
tráfico humano na Índia e no Nepal.
Já
com alguns grandes prémios na bagagem, “Sold” chega às salas de cinema em abril
e é um daqueles filmes que todos nós deveríamos ver. Não pela bizarria da
história, mas sim pelo alerta que ela transmite focando a realidade vivida por
tantas crianças mundo fora. A forma como uma vida pode não ter valor algum e a
simplicidade com que se ludibria alguém que vive na pobreza. Factor que – como
diria Lydia Cacho - “é não só um campo fértil, como o motor de sementeira
de escravas e escravos no mundo.”
Expresso.sapo.pt
– 29.Mar.2016