terça-feira, 12 de julho de 2016

O texto que eu não queria escrever e que o Ronaldo me obrigou a escrever.


O que há mais a dizer sobre um homem do qual sabemos e já vimos tudo?

Nasceu pobre no Funchal, comeu apenas uma banana e um iogurte e uma sandes durante vários dias inteiros, jogou no Andorinhas e depois no Nacional e depois no Sporting, pôs pesos nos tornozelos, quis ter mais força nas pernas do que o André Cruz, partiu os rins ao John O'Shea e saiu do Sporting para o Manchester United, voltou a partir os rins ao John O'Shea nos treinos e em seguida a todos os outros que lhe aparecereram pela frente em Inglaterra, esculpiu um físico de nadador olímpico, deixou-se de fintas e passou a marcar golos, inventou um livre, ganhou uma Liga dos Campeões e a primeira Bola de Ouro, foi para o Real Madrid e teve 90 mil pessoas no estádio e o mundo inteiro a vê-lo pela TV a gritar “hala Madrid!”, rebentou com todos os recordes do Di Stéfano e do Hugo Sánchez e do Raúl no Real Madrid, conquistou outras duas Ligas dos Campeões e outras duas Bolas de Ouro, gritou “Siiiiii!” à frente do filho que entretanto teve, renovou contrato por valores astronómicos, esteve no Euro 2004, Mundial 2006, Euro 2008, Mundial 2010, Euro 2012, Mundial 2014 (e está no Euro 2016), ultrapassou o Figo e o Eusébio e o Pauleta – carregou tantas vezes Portugal e os seus clubes às costas com golos e exibições inacreditáveis que se torna dificil datar duas ou três delas, talvez aqueles três golos à Suécia que nos levou ao Mundial 2014 e aqueles dois golos à Arménia para este Euro 2016.
Depois disto tudo, tudo o que eu não queria era escrever sobre ele, porque já quase tudo foi dito, escrito, revisto, revisitado, inventado e reinventado, pisado e reinventado - e fico-me por aqui nos verbos que querem dizer praticamente a mesma coisa.
Convenhamos, há uma tendência generalizada para a redundância e navegação na maionese e repetição temática quando se escreve sobre Cristiano Ronaldo. É que já ouvimos muitas vezes uma história semelhante a esta, não é verdade?
A do homem que está em baixo, agarrado a um joelho ou a uma perna, que está cansado e maldisposto e rezingão, que não dá uma para a caixa e depois põe duas na gaveta algumas horas após um encontro imediato entre um microfone e um charco, que se vai abaixo outra vez quando falha com a baliza escancarada para enfim se levantar como Cristo, ao terceiro jogo, num pulo que o faz levitar e pairar e parar no tempo e o tempo como o Michael Jordan – e resolver todos os problemas que pareciam irresolúveis até à ressureição. E que ainda acrescenta um remate que resulta numa assistência para outro golo de um colega de equipa que corre para ele, todo contente, num abraço a dois que rapidamente passa a três, quatro, dez, onze, vinte e três e uns quantos mais, enfim, o peso de uma equipa e de uma Federação e de um país em cima do único tipo capaz de desimpedir um beco e criar uma estrada ao pontapé e à cabeçada.
Deem-lhe uma bola e um ponto de apoio e ele fará o que Arquimedes disse que faria: mover o mundo. Pode começar pela Europa.

(Expresso – Pedro Candeias – Julho 2016)

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