O
que há mais a dizer sobre um homem do qual sabemos e já vimos tudo?
Nasceu
pobre no Funchal, comeu apenas uma banana e um iogurte e uma sandes durante
vários dias inteiros, jogou no Andorinhas e depois no Nacional e depois no
Sporting, pôs pesos nos tornozelos, quis ter mais força nas pernas do que o
André Cruz, partiu os rins ao John O'Shea e saiu do Sporting para o Manchester
United, voltou a partir os rins ao John O'Shea nos treinos e em seguida a todos
os outros que lhe aparecereram pela frente em Inglaterra, esculpiu um físico de
nadador olímpico, deixou-se de fintas e passou a marcar golos, inventou um
livre, ganhou uma Liga dos Campeões e a primeira Bola de Ouro, foi para o Real
Madrid e teve 90 mil pessoas no estádio e o mundo inteiro a vê-lo pela TV a
gritar “hala Madrid!”, rebentou com todos os recordes do Di Stéfano e do Hugo
Sánchez e do Raúl no Real Madrid, conquistou outras duas Ligas dos Campeões e
outras duas Bolas de Ouro, gritou “Siiiiii!” à frente do filho que entretanto
teve, renovou contrato por valores astronómicos, esteve no Euro 2004, Mundial
2006, Euro 2008, Mundial 2010, Euro 2012, Mundial 2014 (e está no Euro 2016),
ultrapassou o Figo e o Eusébio e o Pauleta – carregou tantas vezes Portugal e
os seus clubes às costas com golos e exibições inacreditáveis que se torna
dificil datar duas ou três delas, talvez aqueles três golos à Suécia que nos
levou ao Mundial 2014 e aqueles dois golos à Arménia para este Euro 2016.
Depois
disto tudo, tudo o que eu não queria era escrever sobre ele, porque já quase
tudo foi dito, escrito, revisto, revisitado, inventado e reinventado, pisado e
reinventado - e fico-me por aqui nos verbos que querem dizer praticamente a
mesma coisa.
Convenhamos,
há uma tendência generalizada para a redundância e navegação na maionese e
repetição temática quando se escreve sobre Cristiano Ronaldo. É que já ouvimos
muitas vezes uma história semelhante a esta, não é verdade?
A
do homem que está em baixo, agarrado a um joelho ou a uma perna, que está
cansado e maldisposto e rezingão, que não dá uma para a caixa e depois põe duas
na gaveta algumas horas após um encontro imediato entre um microfone e um
charco, que se vai abaixo outra vez quando falha com a baliza escancarada para
enfim se levantar como Cristo, ao terceiro jogo, num pulo que o faz levitar e
pairar e parar no tempo e o tempo como o Michael Jordan – e resolver todos os
problemas que pareciam irresolúveis até à ressureição. E que ainda acrescenta
um remate que resulta numa assistência para outro golo de um colega de equipa
que corre para ele, todo contente, num abraço a dois que rapidamente passa a
três, quatro, dez, onze, vinte e três e uns quantos mais, enfim, o peso de uma
equipa e de uma Federação e de um país em cima do único tipo capaz de
desimpedir um beco e criar uma estrada ao pontapé e à cabeçada.
Deem-lhe
uma bola e um ponto de apoio e ele fará o que Arquimedes disse que faria: mover
o mundo. Pode começar pela Europa.
(Expresso
– Pedro Candeias – Julho 2016)
Sem comentários:
Enviar um comentário