http://expresso.sapo.pt/multimedia/2016-07-06-O-capitao-que-quase-enganou-a-tristeza
(video)
No momento em que se encontrava
sozinho no Terreiro do Paço, frente a frente com as tropas de Cavalaria 7,
leais ao governo, com argumentos de revolucionário e uma granada no bolso (como
último e extremo recurso), Salgueiro Maia talvez não tivesse idéia do lugar que
aquele “teatro de operações” ia lhe conferindo, ao longo daquele 25 de abril,
dentro da História Contemporânea portuguesa.
A “Revolução dos Cravos” não
foi obra de um único homem, mas sim de todo o povo português, civil ou militar.
Da mesma forma, vários foram os militares envolvidos na sua concretização. No
entanto, nenhum outro representa hoje o “espírito do 25 de abril” como ele.
Talvez por ter sido ele o comandante direto da coluna que marchou de Santarém
até Lisboa, no cerco que determinou a rendição de uma ditadura de mais de
quatro décadas. Talvez ainda por ser ele dono de um caráter e personalidade
íntegros, qualidades que em si já encerram os valores de um país que se
ambicionava construir.
“Era uma pessoa de caráter
forte e um grande poder de decisão. Mas também era dócil, muito alegre. Gostava
de ajudar os outros e de reunir os amigos por qualquer motivo”, conta Natércia
Maia. A viúva do capitão ainda vive e dá aulas em Santarém, cidade à 78 Km de
Lisboa, local onde o conheceu, recém-chegado de Moçambique. Corria o ano de
1969 e a guerra colonial recrudescia. Um ano depois os dois se casam e ele
começa a se preparar para uma nova incursão em continente africano, agora na
Guiné.
“Quando ele foi para Moçambique, havia aquele espírito de cavaleiro, de salvar
a nação, e aquelas idéias incutidas pela nossa formação e, em especial, pela
Academia Militar. Mas quando lá chegou, viu que realmente aqueles ideais não
faziam sentido”, lembra Natércia.
“Ele me contou que tinha entrado num café para tomar uma cerveja e que ouviu de
um português daquele continente, que estava lá a dizer: Então já não há
militares que cheguem para ir ao norte de Moçambique e é preciso também agora
nossos filhos irem?”.
Quando Salgueiro Maia regressa da Guiné, em outubro de 1973, passa a
integrar a comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA) como um
dos três delegados da Cavalaria. À ele foi dada a missão de comandar a coluna
militar que, partindo de Santarém, se uniria à demais unidades em Lisboa. Além
disso, também foi encarregado de preparar material e viaturas, e ainda
organizar os quadros que participariam da marcha rumo à capital.
A mensagem confirmando a data da operação chega. O capitão, de imediato, inicia
os preparativos, que só terminam às três e vinte da madrugada de 25 de abril,
quando as viaturas e os blindados Chaimite partem pela estrada escura.
“Na véspera da revolução ele arranjou um saquinho com lenços (tinha sinusite) e
cigarrilhas. Nós não dissemos nada, mas eu interpretei aquilo como uma certeza
de vitória. Se tudo corresse bem ele, que normalmente não fumava, teria uma
cigarrilha para festejar o acontecimento”, revela a viúva, atestando a
confiança que o marido tinha no sucesso da operação.
Chegando ao Terreiro do Paço, em Lisboa, o comandante da coluna mantém-se frio
em meio à tensão, provocada pela expectativa de combate com as tropas fiéis ao
governo marcelista. Forças da GNR (Guarda Nacional Republicana) e da Cavalaria
7 seguiam para o local, enquanto que uma fragata, em manobras de intimidação
nas águas do Tejo, ameaçava abrir fogo. Mas o problema acaba sendo contornado
de uma maneira inesperada: os oficiais e sargentos do CC 7, muitos dos quais
antigos colegas e ex-instruendos de Maia, passam para o lado dos
revolucionários. O navio de guerra também “deita as armas” com a
intervenção de um oficial do MFA.
Não obstante a falta de informações, Salgueiro Maia acata ordens do comandante
Otelo Saraiva de Carvalho e segue com uma parte da tropa para o Largo do Carmo,
com o objetivo de cercar o quartel da Guarda Nacional, para onde se refugiara o
chefe do governo, Marcelo Caetano.
Com um megafone, Maia dá um
ultimato de rendição. Este pode ser considerado um dos momentos de maior tensão
na história da operação. As horas iam passando e o silêncio dentro do quartel
do Carmo desafiava a sagacidade do jovem capitão, na altura com menos de trinta
anos.
Por volta das 17hs do dia 25,
cansado de esperar, resolve entrar e falar, ele mesmo, com o comandante do
quartel. Este por sua vez o leva até Marcelo Caetano que, visivelmente abatido
(mas mantendo uma “postura de dignidade”, como gostava de lembrar Maia), aceita
os termo da rendição, exigindo no entanto que o governo fosse entregue a um
oficial superior. O general António de Spínola é então chamado e recebe o
comando do governo provisório, a Junta da Salvação Nacional, cujo objetivo
principal seria preparar a nação para a redemocratização e, como conseqüência
futura, para as eleições livres.
Em Santarém, depois de assistir a festa da população que saudava o regresso da
coluna vitoriosa, o professor Luís Eugênio Martins Correia era convocado para
tomar posse na primeira comissão administrativa da Câmara Municipal. Seu nome
figurava entre outros sete de uma lista feita pelos capitães Maia e Correia
Bernardo. São também dessa época as recordações que tem de Maia:
“Era um indivíduo cultíssimo,
formado em História. Discutíamos muito sobre filosofia”, recorda o ex-vereador,
hoje com 77 anos.
“Em conversas, gostava de lembrar que na noite da revolução eu dormia e que,
mesmo morando muito perto da estrada que conduz à Lisboa, não pude ouvir o
barulho dos blindados e das viaturas passando. Costumo dizer que o Salgueiro
Maia passou por meio do meu sono, e que quando regressou trazia a liberdade
dentro dos carros.”
O homem antes do herói
Fernando José Salgueiro Maia nasceu no dia 1 de julho de 1944, em Castelo de
Vide (vila histórica da região do Alto Alentejo), onde viveu os primeiros anos
de sua vida.
Filho de um ferroviário,
Francisco da Luz Maia, Fernando José ficou órfão de mãe (D. Francisca Silvério
Salgueiro) ainda muito novo. Devido a profissão do pai, várias foram as cidades
nas quais morou: Tomar, Leiria, Pombal, Valença, Santarém... sem tempo
suficiente para criar raízes em qualquer uma delas.
Concluído o 7º ano do Liceu, em
Leiria, ingressou na Academia Militar em outubro de 1964. A guerra colonial,
que havia começado em 1961, àquela altura já se estendia às regiões de Angola,
Moçambique e Guiné. No final de 1966 apresenta-se na Escola Prática de
Cavalaria, seguindo um tempo depois para sua primeira comissão em Moçambique.
“O curso da Academia tinha
quatro anos, mas como havia falta de capitães o governo criou cursos intensivos
de apenas três. Depois se fazia o estágio na própria guerra. Foi o que
aconteceu com meu marido”, explica Natércia Maia. A partir daí, os caminhos da
revolução começaram a ser trilhados. A História então se encarregaria do resto.
Mas apesar de sua devoção à
causa, Salgueiro Maia passou a incomodar os quadros superiores de Exército, com
seu espírito crítico e independente. Rejeitou cargos e privilégios dentro do
governo que ajudou a instaurar. Desejava continuar apenas como um operacional,
dentro da Escola Prática de Cavalaria, o que não veio a acontecer. Foi enviado
para os Açores e posteriormente para outras unidades militares, desempenhando
sempre tarefas burocráticas dentro de escritórios, às quais abominava. “Mesmo
assim cumpriu com dedicação todas suas tarefas e missões”, orgulha-se Natércia.
“A pretexto do cumprimento de
escalas, ele e muitos outros capitães foram designados para exercer funções,
não menos honradas, mas de menor importância para militares que haviam operado
uma revolução”, opina o general e ex-capitão do MFA Pezarat Correia, que
conclui lacônico:
“A verdade é que os oficiais de
alta patente das Forças Armadas, quando retomaram seus postos depois do 25 de
abril, ficaram ressentidos com o fato de a revolução ter sido comandada por
capitães, o que acontecia pela primeira vez na história dos golpes militares em
Portugal.”
Fernando
José Salgueiro Maia faleceu no dia 4 de abril de 1992, com 47 anos, abatido
pelo câncer contra o qual vinha lutando desde 1989. O
militar, que àquela altura ocupava o posto de tenente-coronel, deixou ainda
dois filhos, Catarina e Filipe.
(retirado de: http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=RV2)
Sem comentários:
Enviar um comentário