Uma
novidade nos Jogos. Aldeia Olímpica tem um centro religioso para prestar apoio
espiritual aos atletas que o desejem
Quatro
monges budistas caminhavam vagarosamente junto à entrada para a Aldeia
Olímpica, onde desde o início dos Jogos está a funcionar um centro
inter-religioso para receber atletas, treinadores ou voluntários que procurem
apoio espiritual. Naquela terça-feira, estava também presente o mestre Nitiguen
Takassaky, a quem os outros monges foram mostrar uma réplica de um dos quartos
que estão disponíveis para os atletas nos 3604 apartamentos da Aldeia. A
acompanhar o arcebispo seguem os monges Jyunsho, Eishin e... Roberto, nome que
denuncia aquilo que já se percebera após a primeira troca de palavras. Todos
eles são brasileiros, de origem japonesa.
A
ligação familiar ao Japão remonta há 108 anos, quando o navio Kasato-maru
aportou em Santos. Seguia a bordo a primeira vaga de emigrantes japoneses no
Brasil e, entre eles, o monge Genju Ibaragui, considerado o divulgador do
budismo primordial, linhagem que os monges da Aldeia Olímpica praticam. "A
nossa função aqui é dar apoio espiritual aos atletas. Eles passam por muitas
provas e ficam meses longe da família. Há a pressão do treinador, dos
habitantes dos seus países, dos próprios Jogos, e no final só um é que vai
poder ganhar. Mesmo com todo o treino físico e mental que possam fazer, nestas
horas o sentimento dos atletas pode ser abalado, principalmente aqueles que
estão aqui pela primeira vez. Por isso, conhecendo essa realidade, o Comité
Olímpico Internacional (COI) criou este centro religioso para que possa ser
prestado aos atletas, treinadores e até voluntários o apoio espiritual que
precisem", conta ao DN Jyunsho Yoshikawa.
O
budismo é uma das cinco religiões que estão no centro, juntamente com
representantes cristãos (católicos e protestantes), muçulmanos, judeus e
hindus. A seleção feita pelo COI foi baseada em estatística. Ficaram de fora,
por exemplo, religiões de matiz africana, como o candomblé, com vários
praticantes no Brasil. "Se for necessário atender a um outro credo existe
uma lista de religiosos brasileiros a quem o centro recorre. Estão todos credenciados
e prontos para vir para cá", garante Jyunsho Yoshikawa. O centro funciona
das 07.00 às 22.00 e, fora desse horário, em regime de piquete, pois
"nunca se sabe quando um atleta vai precisar de apoio espiritual".
Uma
oração na hora
Os
monges também não sabem quantas consultas já deram durante a sua estada na
Aldeia Olímpica, mas dizem que muito do seu trabalho acaba por ser feito quando
saem do centro inter-religioso e caminham pelos espaços destinados ao atletas.
"Muitas vezes somos solicitados no meio da rua para darmos a nossa bênção,
fazer uma oração. Por exemplo, hoje fomos abordados por uma saltadora mexicana
[Yvone Trevino] e por um atleta dominicano de taekwondo [um dos dois
representantes do país é Luisito Pie, o qual eliminou na quarta-feira o português
Rui Bragança]. Por vezes, estão ali a treinar e pedem uma oração na hora",
explica Jyunsho, acrescentando que não são apenas procurados por budistas:
"Há também quem já tenha alguma informação sobre o que fazemos e que,
aqui, quando não consegue encontrar o conforto mental que precisa, recorra a
nós para experimentar algo diferente."
Como
bons brasileiros, o futebol acaba por se juntar à conversa. "Eu ainda jogo
futebol com os meus amigos. Sou adepto do São Paulo", apressa-se a dizer o
arcebispo, de 56 anos. Os outros monges também revelam a sua preferência: há
mais um adepto do São Paulo, outro do Palmeiras e um do Curitiba, a sua terra
natal. "Ele é de Curitiba, mas também é são-paulino", atira o
arcebispo. "Pode parar! Sou Curitiba mesmo. A minha equipa pode dar-me
muitas tristezas, mas sou Curitiba até ao fim", responde Roberto Tadokoro.
O futebol é um jogo de paixões, em que muitas vezes os ânimos se exaltam. E nem
os monges escapam a esse sentimento. "É nesse momento que demonstramos o
nosso lado humano em vez do espiritual", diz Roberto. O arcebispo junta
mais lenha à fogueira e aponta para Jyunsho, o carioca que é adepto do
Palmeiras: "Esse daí até chora. Copiosamente." Gargalhada geral.
Para
já, o balanço que fazem da sua atividade no centro é francamente positivo.
"Para nós é uma experiência nova e muito gratificante. É também um pouco
pesada, porque temos de ter disponibilidade a toda a hora. Mas
o mais compensador é conhecer pessoas do mundo inteiro, e isso permite-nos
divulgar os nossos ensinamentos", lembra Nitiguen Takassaky.
A terminar, Jyunsho arrisca uma
explicação para o sucesso da iniciativa na Aldeia Olímpica: "O ensinamento
budista trabalha a alma e encaixa perfeitamente neste ambiente olímpico, em que
todos os atletas são iguais. E alma não tem idade, sexo ou raça."
No Rio de Janeiro (DN – 19.Ago.2016)
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