sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Monges budistas e futebol. Quando o lado humano vence o espiritual.


Uma novidade nos Jogos. Aldeia Olímpica tem um centro religioso para prestar apoio espiritual aos atletas que o desejem
Quatro monges budistas caminhavam vagarosamente junto à entrada para a Aldeia Olímpica, onde desde o início dos Jogos está a funcionar um centro inter-religioso para receber atletas, treinadores ou voluntários que procurem apoio espiritual. Naquela terça-feira, estava também presente o mestre Nitiguen Takassaky, a quem os outros monges foram mostrar uma réplica de um dos quartos que estão disponíveis para os atletas nos 3604 apartamentos da Aldeia. A acompanhar o arcebispo seguem os monges Jyunsho, Eishin e... Roberto, nome que denuncia aquilo que já se percebera após a primeira troca de palavras. Todos eles são brasileiros, de origem japonesa.
A ligação familiar ao Japão remonta há 108 anos, quando o navio Kasato-maru aportou em Santos. Seguia a bordo a primeira vaga de emigrantes japoneses no Brasil e, entre eles, o monge Genju Ibaragui, considerado o divulgador do budismo primordial, linhagem que os monges da Aldeia Olímpica praticam. "A nossa função aqui é dar apoio espiritual aos atletas. Eles passam por muitas provas e ficam meses longe da família. Há a pressão do treinador, dos habitantes dos seus países, dos próprios Jogos, e no final só um é que vai poder ganhar. Mesmo com todo o treino físico e mental que possam fazer, nestas horas o sentimento dos atletas pode ser abalado, principalmente aqueles que estão aqui pela primeira vez. Por isso, conhecendo essa realidade, o Comité Olímpico Internacional (COI) criou este centro religioso para que possa ser prestado aos atletas, treinadores e até voluntários o apoio espiritual que precisem", conta ao DN Jyunsho Yoshikawa.
O budismo é uma das cinco religiões que estão no centro, juntamente com representantes cristãos (católicos e protestantes), muçulmanos, judeus e hindus. A seleção feita pelo COI foi baseada em estatística. Ficaram de fora, por exemplo, religiões de matiz africana, como o candomblé, com vários praticantes no Brasil. "Se for necessário atender a um outro credo existe uma lista de religiosos brasileiros a quem o centro recorre. Estão todos credenciados e prontos para vir para cá", garante Jyunsho Yoshikawa. O centro funciona das 07.00 às 22.00 e, fora desse horário, em regime de piquete, pois "nunca se sabe quando um atleta vai precisar de apoio espiritual".
Uma oração na hora
Os monges também não sabem quantas consultas já deram durante a sua estada na Aldeia Olímpica, mas dizem que muito do seu trabalho acaba por ser feito quando saem do centro inter-religioso e caminham pelos espaços destinados ao atletas. "Muitas vezes somos solicitados no meio da rua para darmos a nossa bênção, fazer uma oração. Por exemplo, hoje fomos abordados por uma saltadora mexicana [Yvone Trevino] e por um atleta dominicano de taekwondo [um dos dois representantes do país é Luisito Pie, o qual eliminou na quarta-feira o português Rui Bragança]. Por vezes, estão ali a treinar e pedem uma oração na hora", explica Jyunsho, acrescentando que não são apenas procurados por budistas: "Há também quem já tenha alguma informação sobre o que fazemos e que, aqui, quando não consegue encontrar o conforto mental que precisa, recorra a nós para experimentar algo diferente."
Como bons brasileiros, o futebol acaba por se juntar à conversa. "Eu ainda jogo futebol com os meus amigos. Sou adepto do São Paulo", apressa-se a dizer o arcebispo, de 56 anos. Os outros monges também revelam a sua preferência: há mais um adepto do São Paulo, outro do Palmeiras e um do Curitiba, a sua terra natal. "Ele é de Curitiba, mas também é são-paulino", atira o arcebispo. "Pode parar! Sou Curitiba mesmo. A minha equipa pode dar-me muitas tristezas, mas sou Curitiba até ao fim", responde Roberto Tadokoro. O futebol é um jogo de paixões, em que muitas vezes os ânimos se exaltam. E nem os monges escapam a esse sentimento. "É nesse momento que demonstramos o nosso lado humano em vez do espiritual", diz Roberto. O arcebispo junta mais lenha à fogueira e aponta para Jyunsho, o carioca que é adepto do Palmeiras: "Esse daí até chora. Copiosamente." Gargalhada geral.
Para já, o balanço que fazem da sua atividade no centro é francamente positivo. "Para nós é uma experiência nova e muito gratificante. É também um pouco pesada, porque temos de ter disponibilidade a toda a hora. Mas o mais compensador é conhecer pessoas do mundo inteiro, e isso permite-nos divulgar os nossos ensinamentos", lembra Nitiguen Takassaky.
A terminar, Jyunsho arrisca uma explicação para o sucesso da iniciativa na Aldeia Olímpica: "O ensinamento budista trabalha a alma e encaixa perfeitamente neste ambiente olímpico, em que todos os atletas são iguais. E alma não tem idade, sexo ou raça."

No Rio de Janeiro (DN – 19.Ago.2016)

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