Terreno
da Feira Popular em Lisboa vale 100 milhões de euros mas está abandonado.
O
parque de diversões da capital abriu para a última temporada em Março de 2003 e
fechou definitivamente em Outubro desse ano. O futuro dos terrenos continua por
definir, após dez anos de polémicas.
A
Feira Popular de Lisboa fechou em Outubro de 2003 e desde então o terreno que
ocupava, em Entrecampos, com um valor estimado em 100 milhões de euros, está ao
abandono. Após dez anos marcados por avanços e recuos polémicos, ainda não há
uma decisão sobre o futuro do espaço.
Os
antigos edifícios do parque de diversões estão em ruínas e cheios degraffiti,
no terreno há lixo e mato a crescer. Uma chapa de metal cobre uma abertura no
muro, mas é possível entrar por ali, como muitos têm feito. O espaço é hoje
poiso de toxicodependentes e, mesmo em pleno dia, há casos de prostituição
masculina, descreveu à Lusa a presidente da Junta de Freguesia de Nossa Senhora
de Fátima, Idalina Flora.
Pontualmente,
parte do terreno volta a acolher equipamentos de diversão ou tendas de circo,
que ali se instalam sobretudo em épocas festivas, mas o espaço perdeu o brilho
de antigamente.
Contactado
pela Lusa, um promotor imobiliário da ERA - Avenidas Novas, Rui Ferreira,
estimou que o terreno, com 100 mil metros quadrados, tenha um valor entre os 90
e os 110 milhões de euros, tendo por base um custo por metro quadrado entre os
900 e os 1100 euros. O valor do terreno depende de vários factores,
nomeadamente a localização, o projecto para o local e a rentabilidade que pode
proporcionar.
A
saída da Feira Popular de Entrecampos causou “um grande abalo” na zona, mas
permitiu diminuir a poluição e recuperar os edifícios envolventes, considera
Idalina Flora. A autarca do PSD lamenta que a cidade tenha perdido o seu parque
de diversões, que atraía lisboetas e turistas, mas salienta o impacto positivo.
“Só assim foi possível recuperar os prédios à volta e instalar-se ali um novo
hotel de quatro estrelas”, exemplifica.
Dez
anos de avanços e recuos
Quando
a Feira Popular abriu para a última temporada, a 28 de Março de 2003, a Câmara
de Lisboa, então presidida por Pedro Santana Lopes (PSD), tencionava criar um
novo parque de diversões, mais moderno - na época, a feira estava envelhecida e
degradada - e reabilitar o Parque Mayer.
Só
ao fim de três anos viria a ser realizada uma permuta entre os dois terrenos. Antes,
foi aprovada uma primeira permuta, posteriormente anulada, e foi chumbada a
criação de um fundo de investimento imobiliário.
Em
2005, os terrenos do Parque Mayer, pertença da Bragaparques, passam para a
posse da Câmara de Lisboa, e a empresa de Domingos Névoa recebe metade do lote
de Entrecampos, anteriormente municipal.
Em
Julho daquele ano, a Bragaparques invocou o direito de preferência na hasta
pública para adquirir o resto dos terrenos de Entrecampos, de 59 mil metros
quadrados, por 57,1 milhões de euros - o valor de licitação por metro quadrado
era de 950 euros e a P. Mayer SA, empresa da Bragaparques, pagou 967 euros.
Mais tarde, o negócio seria inviabilizado em tribunal.
No
ano passado, o Tribunal Central Administrativo declarou nula a permuta entre a
Câmara de Lisboa e a empresa Bragaparques. Autarquia e empresa recorreram e
continua a aguarda-se a decisão do Supremo Tribunal Administrativo sobre a
posse do terreno.
Esta
indefinição tem causado à Bragaparques “um prejuízo enorme, incalculável”,
disse à Lusa a advogada Rita Matias. A empresa está “há dez anos a pagar juros”
de um empréstimo de dezenas de milhões de euros, “numa altura em que é
extremamente difícil negociar condições aceitáveis com os bancos, porque
entretanto os juros subiram imenso”.
“É
uma situação verdadeiramente dramática, porque a empresa tem ali um
investimento muito grande e não consegue desenvolver nenhum negócio”,
acrescentou a advogada da Bragaparques.
O
projecto para aqueles terrenos contemplava a construção de 600 a 700
habitações, 16 mil metros quadrados de áreas comerciais e 40 mil metros
quadrados seriam destinados a serviços.
Rita
Matias critica a Câmara de Lisboa por ter vindo “a adiar a execução da
sentença” e por fazer “tudo para não cumprir a decisão”, devolvendo à
Bragaparques o valor pago pelo terreno. A Lusa tentou obter um comentário da
autarquia da capital, sem sucesso.
Polémica
fez “cair” a Câmara
O
processo teve consequências também a nível político. Em 2007, o então
presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues (PSD), foi constituído
arguido neste processo, tal como vereadores do seu executivo. A 9 de Maio, a
Câmara "caiu" por falta de quorum devido à renúncia dos
mandatos dos vereadores do PSD, do PS, da CDU e do Bloco de Esquerda,
sendo convocadas eleições intercalares antecipadas, que seriam ganhas por
António Costa.
Dez
anos depois da abertura da última época, Lisboa continua sem Feira Popular,
apesar de terem sido apontadas diversas possíveis localizações, como a Bela
Vista, Monsanto ou Jardim do Tabaco.
Sobre
o Parque Mayer, António Costa já admitiu recorrer à expropriação, para que o
terreno possa regressar à posse da autarquia.
Para
trás ficou o plano de recuperação deste espaço junto à Avenida da Liberdade,
que Santana Lopes encomendou ao arquitecto norte-americano Frank Gehry, por 2,5
milhões de euros. O projecto incluía três teatros, um anfiteatro, uma
mediateca, um clube de jazz e seis salas de ensaio, com um custo estimado de
134 milhões de euros.
Em
2008, o Ministério Público calculou que estes avanços e recuos já tinham
custado, até então, mais de 40 milhões de euros ao município, entre taxas que
ficaram por receber, investimento em projectos e indemnizações.
O
processo ficou marcado por outras polémicas, entre as quais o veto do então
Presidente da República à instalação de um casino no Parque Mayer, proposta
inicial de Santana Lopes.
Outro
momento deste processo foi a acusação do advogado Ricardo Sá Fernandes de que
Domingos Névoa havia tentado subornar o seu irmão, José Sá Fernandes, actual
vereador do Espaço Público na Câmara de Lisboa. O empresário foi inicialmente
condenado por corrupção activa para acto lícito, mas o Tribunal da Relação
viria a absolvê-lo.
Notícia
corrigida: inclui a renúncia aos respectivos mandatos dos vereadores da CDU em
2007 que, por lapso, era omitida na primeira versão. (Jornal Público)
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