A
produtora disponibilizou todo o seu arquivo, registado entre 1896 e 1976. São
85 mil filmes e um total de 3500 horas de imagens.
O
século XX exposto perante nós. O histórico: as duas grandes guerras, a
revolução russa, as coroações. O artístico: Laurel & Hardy ou Elvis Presley
em entrevista, George Orwell enquanto jovem estudante, Ernst Lubitsch em
rodagem,uma exposição de Picasso, Alfred Hitchcock à conversa com Ingrid
Bergman. O desportivo: os mundiais de futebol, os Jogos Olímpicos, corridas de
cavalos. O mundano: crianças em campos de férias, cães que saltam a alturas
incríveis, bulício na rua e homens suspensos a centenas de metros para limpar
as janelas do Empire State Building.
85
mil filmes de que resultam 3500 horas de século XX (ou, para sermos mais
precisos, 3500 horas de mundo, o do Ocidente, registado entre 1896 e 1976)
totalmente disponíveis e partilháveis no canal do YouTube onde a British Pathé
alojou todos os seus arquivos (https://www.youtube.com/user/britishpathe). O espólio da produtora fundada
em Paris em 1896 pelo pioneiro do cinema Charles Pathé, e que abriu um
escritório inglês em 1910 (a Associated British Pathé, detentora dos arquivos
agora disponibilizados nasceria em 1933), fora digitalizado em 2002 e estava
acessível no site www.britishpathe.com. Contudo, os administradores da
produtora tinham a convicção de que o material que detinham era demasiado
importante para estar restringido ao seu site. Num comunicado conjunto, a
British Pathé e a Mediakraft, empresa alemã parceira no projecto, declararam
que o objectivo é chegar a estudantes, professores e jornalistas, que verão,
partilharão, e darão renovada circulação às imagens preservadas.
“A
nossa esperança é que todos aqueles, em qualquer lugar, que tenham um
computador, vejam estes filmes e os apreciem”, declarou Alastair White,
director geral da British Pathé, citado pelo Telegraph. “Este arquivo é um
tesouro inigualável em relevância histórica e cultural que nunca deverá ser
esquecido. Carregar os filmes no YouTube pareceu-nos a melhor forma de o assegurar”,
acrescentou. “Quer procurem a cobertura [noticiosa] da família Real, o Titanic,
a destruição do [zepelim] Hindenburg, ou histórias bizarras de passados
britânicos, isso estará no nosso canal. Podemos perder-nos nele durante horas”.
Alastair White não está a mentir. E está longe de exagerar. Perdemos mesmo
horas a viajar pelos filmes do British Pathé.
A
televisão estava ainda a algumas décadas de distância, mas com os seus filmes
de actualidades, exibidos antes das sessões cinematográficas a partir de 1908,
a Pathé definia em grande parte aquilo que seria linguagem noticiosa
televisiva. Os seus filmes, habitualmente curtos de duração (entre um e quatro
minutos), ofereciam uma janela para o mundo. Se hoje é certo que, aconteça o
que acontecer em qualquer lugar do mundo, haverá uma câmara, de telemóvel ou
profissional, para registar o momento, nas primeiras décadas do século XX, era
a Pathé que parecia estar em todo o lado. Vemos o Czar Nicolau II a abdicar,
enquanto os soldados russos morrem de frio no rigoroso Inverno de 1917 e a
população sai à rua para fazer a revolução. Vemos a bola de fogo impressionante
em que se transforma o zeppelim Hindenburg à chegada a New Jersey, em 1935,
vemos imagens da guerra iniciada quatro anos depois e da explosão atómica Hiroshima
que lhe pôs fim. Descobrimos bem mais que essas imagens históricas. O século XX
de inventores, trágicos ou gloriosos: um dos primeiros voos dos irmãos Wright
está lá, bem como o primeiro e último do alfaiate francês Franz Reichelt, que
saltou para a morte da Torre Eiffel, tentando provar que inventara um
pára-quedas fiável.
É
um outro mundo que se revela: o da Inglaterra campeã do mundo de futebol, o de
Arnold Schwarzenegger que não era ainda Conan, o Bárbaro, muito menos
Exterminador Implacável ou governador da Califórnia, mas apenas um monte de
músculos reluzentes com um rosto juvenil erguido a Mr Universo em 1969. Um
mundo não tão distante, afinal. Veja-se a notícia da invenção de um telefone
sem fios, onde até se pode ouvir música – em que ano? 1922. E descubra-se que,
tendo 3500 horas de filmes disponíveis e tanta História para investigar, um dos
vídeos que a Humanidade online mais tem partilhado exibe um perfeito anónimo
como protagonista. Leslie Bowles tinha 3 anos em 1935, pesava mais de sessenta
quilos e era apresentado como o bébé mais gordo do mundo. Material perfeito
para o frenesim de curiosidades, de vídeos de gatos a apanhados diversos, de
que as redes socais se alimentam. Muito actual, portanto. (Jornal Público –
21.04.2014)
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