Um
dia, vou cansar-me de querer conhecer o mundo. Nessa altura, talvez me pareça
estranho que alguém saia de casa, deixe o morninho, para discutir preços com
taxistas ou olhar para ementas de restaurantes onde não percebe uma única
palavra.
Às
vezes, parece-me que conheço demasiados caminhos. Para ir a certos lugares, não
tenho de pensar. Entro no carro e a minha cabeça ocupa-se de qualquer assunto
que, naquele momento me pareça importante. Conheço tão bem esses caminhos que
quase me surpreendo quando chego ao destino. Às vezes, quero ir a lugares
ligeiramente diferentes, distraio-me por um momento e, quando reparo, já estou
a fazer esses caminhos de novo. O hábito enganou-me. Então, preciso de voltar
atrás, raramente necessito de GPS para encontrar a direcção certa.
Viajar
seja para onde for, querer conhecer o mundo, é acreditar que todas as ruas
fazem parte de um labirinto mas que não é possível perdermo-nos nele. Está-se
sempre em algum lugar. A rosa dos ventos pode ser colocada em qualquer sentido,
continuará sempre a ser uma rosa dos ventos.
Na
Tailândia, nenhuma comida tem o sabor das sopas da minha mãe. Na Amazónia,
nenhuma paisagem se parece com os campos à volta da terra onde nasci. Nas ruas
de Helsínquia, ninguém entende a língua em que penso e eu, estrangeiro, tenho
dificuldade até de distinguir palavras na amálgama de sons que essas pessoas
dizem quando vão, por exemplo, a conversar nos transportes públicos.
Um
dia vou cansar-me dessa surpresa. Conheço bem o conforto do meu sofá, com
mantas em fevereiro, onde poderia passar tardes inteiras a ver programas da
televisão portuguesa, com anúncios portugueses, com as notícias portuguesas a
começarem à hora certa: pip, pip, piiii. Sei bem o que é atender o telefonema
de um amigo que me diz: vem cá. Sei bem o que é poder ir ter com ele naquele
momento, estar ao lado dele depois de minutos. Também sei o que é sentir que os
amigos deixaram de ligam. A pouco e pouco, convencem-se de que nunca estou,
nunca posso, não vale a pena ligar, não vale a pena insistir.
Sim,
um dia vou cansar-me de querer conhecer o mundo, mas hoje ainda não é esse dia.
Sinto uma espécie de tontura só de começar a conceber todos os lugares onde
posso ir. Tenho os sentidos ávidos por tudo aquilo que me espera. Não tenho
qualquer receio de estar sozinho, sem mapa, no centro de Singapura, numa
avenida de Caracas, diante de uma paisagem do Alasca. Anseio por esse momento.
Quero
aterrar em todos os aeroportos do mundo, quero conversar por gestos com gente
de todos os países, quero provar o sal de todos os oceanos, senti-lo a
cristalizar-se na pele. É muito fácil que chegue um dia em que deixe de
acreditar em tudo o que acredito agora. A vida é composta por materiais
bastante mais transitórios do que estamos dispostos a admitir. Mas, até lá,
sempre que esteja diante de uma ementa onde não perceba uma palavra,
continuarei a fechar os olhos e a pedir a primeira coisa onde deixe cair o meu
indicador.
José
Luís Peixoto, in Revista Volta ao Mundo (Abril 2014)
Sem comentários:
Enviar um comentário