As docas de Buenos Aires em
Outubro de 1921 — a emigração portuguesa ajudou na construção do país KEYSTONE
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Algarvios,
muitos, minhotos e serranos cons-truíram, na primeira metade do século XX, uma
nova vida num país que estava, também ele, a ser ainda construído. De Buenos
Aires à Patagónia. Em Portugal Querido, podemos ler histórias como a de
Yudith, que atravessou o oceano sem saber como era o pai que a esperava no
outro lado do Atlântico.
víamos
em São Brás de Alportel… e o meu pai levava-me a passear todos os dias quando
chegava do trabalho. Eu era a filha mais velha de três irmãos e de um ainda por
nascer… De um dia para o outro, deixei de ver o meu pai e com quatro anos — e
ele apenas com 23 — não podia entender o que tinha acontecido, nem para onde
tinha ido. Ao ficarmos sozinhos, fomos viver para o campo, no sítio Dos
Machados, com a minha mãe Gertrudes, grávida de oito meses. Ela teve de ir
trabalhar, pelo que eu e os meus irmãos ficávamos sozinhos, quase todo o dia.
Começaram a chegar as primeiras cartas. O meu pai pedia que o filho, se fosse
varão, se chamasse Abel. Os dias passavam e eu só via cartas. Numa delas, ele
dizia: ‘Yudith, neste momento, olhando as estrelas, vejo nelas o brilho dos
teus olhos’, palavras que me ficaram gravadas na memória, apesar da minha tenra
idade.”
Yudith
Rosa Viegas recorda, assim, a partida do pai para a Argentina, em 1926. O
reencontro só aconteceria “13 longos anos” mais tarde, quando, em vésperas do início
da II Guerra Mundial, embarcou com a mãe e os dois irmãos (o bebé mais novo,
uma menina que não pôde chamar-se Abel, morreu com apenas oito meses) “num
barco inglês” a caminho de Buenos Aires.
O
destino desta família algarvia e de muitas outras famílias portuguesas foi
recolhido por Mário dos Santos Lopes, jornalista e professor, também ele filho
de algarvios que emigraram para a Argentina, e que lançou, naquele país, o
livro Portugal Querido. A edição de autor, de cinco mil exemplares, já
está a ser revista e ampliada, com novas histórias de uma emigração muito
particular.
Mário
dos Santos Lopes, 55 anos, recusa arcar sozinho com a responsabilidade do
livro. Até porque, explica à Revista 2, quem insistiu para que ele avançasse
com o projecto foi o irmão, Victor, que abriu uma pousada portuguesa, a Pousada
São Brás, em Córdoba. “Estava de férias em Villa General Belgrano, Córdoba, e,
durante uma conversa, o meu irmão Victor disse que gostaria de publicar um
livro em homenagem aos imigrantes. Disse-lhe que sim, que o faria, mas na
realidade não sabia como nem em quanto tempo. Nessa mesma noite, comecei a
procurar contactos de luso-descendentes no Facebook e na Internet, sem saber
onde chegaríamos. A ideia original era termos um livro de cem páginas, algo
muito pequeno”, explica, através de email, o jornalista que vive em Puerto
Deseado, Santa Cruz, na Patagónia argentina.
A tarefa assemelhou-se “às obras de Santa
Engrácia”, lê-se na introdução de Portugal Querido, e só ficaria pronta ao
fim de cinco anos de busca e escrita, tornando-se uma verdadeira empreitada
familiar. Victor foi “o criador e impulsionador da ideia”, Andrea, a irmã mais
nova, “traduziu, corrigiu e deu bons conselhos”. Juan Benjamín Lopes, filho de
Mário, “desgravou os áudios”. Pablo Molina e Ana Laura Lopes, genro e filha,
“puseram o coração e o profissionalismo na artística capa do livro”. O
resultado foi uma obra de 254 páginas com muitas histórias de emigrantes,
algumas referências históricas da passagem portuguesa pela Argentina, umas
curtas histórias e participações de emigrantes lusos noutros países, vários
textos sobre os clubes e associações dedicadas à cultura nacional e relatos de
cantoras argentinas que se apaixonaram pelo fado. O fio condutor do livro é,
contudo, a compilação das memórias das famílias que, deixando Portugal,
encontraram um novo lar na Argentina. (Jornal Público)
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