Aos 83 anos, desaparece um dos rostos mais conhecidos do sci-fi, quase indissociável de Spock e das sua orelhas de vulcano na saga Star Trek.
Leonard
Nimoy escreveu duas autobiografias com 20 anos de intervalo, I Am not
Spock (1975) e I Am Spock (1995).
Como
tantos actores, Nimoy fez uma primeira tentativa de não ser confundido com a
personagem que lhe deu fama, mas acabou por se render à evidência: Nimoy era e
sempre foi Spock, desde o primeiro momento em que apareceu na televisão com as
orelhas pontiagudas e a franja minuciosamente aparada. Morreu na sexta-feira
aos 83 anos, vítima de doença pulmonar, o actor que encarnou a personagem mais
emblemática de Star Trek, a série de ficção científica que começou por ser
um fracasso, mas catalisadora de um culto que a transformou num fenómeno com
vida longa e próspera.
Nimoy
sofria de doença pulmonar obstrutiva crónica, diagnóstico que revelou
publicamente em 2014, e foi a doença que causou a sua morte, como confirmou ao New
York Times a sua mulher, Susan Bay Nimoy. No início desta semana, o actor
tinha já sido hospitalizado na sequência de um agravamento da doença. Foi nesse
dia que escreveu o que seria o seu último tweet: “Uma vida é como um jardim. Os
momentos perfeitos podem ser vividos, mas não preservados, excepto na memória.
LLAP”, escreveu, com a derradeira sigla para Live Long and Prosper -
a frase-chave da sua personagem. Era assim que terminava cada uma das suas
mensagens em 140 caracteres ou menos para o seu milhão e meio de seguidores.
Nimoy
foi muitas coisas, mas ser Spock foi um emprego para toda a vida, desde a
primeira aparição no episódio piloto de Star Trek, “The Cage”, em 1965,
até aos dois filmes de J.J. Abrams (2009 e 2013). Spock era um ser meio
vulcano, meio humano, membro da tripulação da USS Entreprise, a nave espacial
que tinha por missão explorar novos mundos por mandato da Federação dos
Planetas. Era o cientista racional para fazer contra ponto ao aventureiro
capitão James T. Kirk (William Shatner).
Nascido
em Boston a 26 de Março de 1931, filho de imigrantes ucranianos, Leonard Simon
Nimoy mudou-se para Hollywood aos 17 anos, esteve na tropa, conduziu táxis,
entregou jornais e andava perdido pela televisão, teatro e por produções
cinematográficas de baixo orçamento. Mas foi ganhando reputação como actor e
chegou a Star Trek por escolha própria, não como último recurso –
podia escolhido ser um leading man numa telenovela, mas preferiu
arriscar numa série de ficção científica sem garantia que desse alguma coisa.
O
piloto original de Star Trek era muito diferente do que aquilo que
acabaria por ser e, dessa primeira experiência, apenas o Spock de Nimoy
sobreviveu, muito por insistência de Gene Rodenberry, o criador da série, e
contra a vontade da NBC, que queria livrar-se do “tipo das orelhas”. A série
ganhou novas personagens e novo elenco, mas não seria um sucesso imediato. Foi
cancelada ao fim de três temporadas (80 episódios), mas ganhou nova vida nas
reposições. Mais do que Kirk, Scotty, Sulu, Uhura, Chekov ou McCoy, o Spock de
Nimoy foi a figura central do culto inicial à volta de Star Trek e a
presença mais reconhecida do fenómeno trekkie – os fãs preferem trekker.
O
sucesso ao retardador de Star Trek gerou uma série de filmes que
começou em 1979. Nimoy entrou nos seis primeiros, realizou dois deles – Star
Trek III: The Search for Spock e Star Trek IV: The Voyage Home e
foi também argumentista de dois capítulos – e foi o único do elenco original a
regressar no reboot de J.J. Abrams, como um Spock original que se cruza
com um jovem Spock de uma realidade alternativa interpretado por Zachary
Quinto, escolhido para o papel pelas parecenças físicas com Nimoy. Nimoy
seria ainda Spock num episódio de Star Trek: The Next Generation, numa
série de desenhos animados e muitas das suas aparições recentes, como em A
Teoria do Big Bang, também recuperam a icónica personagem.
A
sua carreira não se fez apenas de viagens por galáxias distantes a bordo da USS
Enterprise. Dramaturgo (a sua peça Vincent esteve no Teatro Villaret
em 2006, por exemplo), realizador, poeta, fotógrafo, músico - Leonard Nimoy,
uma figura acarinhada no meio cinematográfico, foi ainda mais isto. Foi agente
secreto na série Missão Impossível, esteve ao lado de Donald Sutherland em A
Invasão dos Violadores e fez uma última incursão na ficção científica
televisiva em Fringe. Para além dos dois capítulos de Star Trek,
Nimoy realizou mais quatro filmes, entre eles a comédia de enorme sucessoTrês
Homens e um Bebé, um remake do francês Três Homens e um Berço.
“Amava-o
como a um irmão. Vamos todos sentir falta do seu talento, do seu humor e da sua
capacidade para amar”, escreveu no Twitter William Shatner, aquele que mais vez
esteve em cena com Nimoy. Foi a dinâmica entre o seu Kirk e o Spock de Nimoy
que deu origem a tudo, embora Shatner nem sempre tenha lidado bem com o talento
multifacetado de Nimoy – Shatner exigiu, por exemplo, que lhe dessem a
realização de Star Trek V depois do sucesso dos dois anteriores
capítulos realizados pelo seu colega de elenco.
Nimoy
abraçou até ao fim a personagem com a qual não queria ser confundido mas que
tornou num ícone com a sua voz serena e o seu olhar impassível, mas sempre a
projectar emoções numa personagem que se pedia fria. “Por alguma razão”, disse
ao Los Angeles Times numa entrevista em 1999, “projectei algum tipo
de qualidade que fazia as pessoas dizer ‘OK, ele é um bom extra-terrestre’”. (Jornal
Público – 27.Fev.2015)
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