O
século XX português, entre o Regicídio (1908) e o 25 de Abril de 1974, visto a
partir da Rua do Arsenal, é o tema do episódio inaugural da série televisiva História
a História, que este domingo começa a ser exibido na RTP Internacional. O autor
é Fernando Rosas, que nesta sua volta a Portugal diz sentir-se bem mais
confortável do que quando correu o país em campanhas políticas e eleitorais.
Uma
camisa (verde, nesse dia) debaixo dos tradicionais suspensórios (que também vão
variando de cor), o gesto largo e expressivo, a palavra fácil e clara de
professor, o à-vontade bem conhecido de tantas presenças televisivas… É com
esta imagem que, a partir deste domingo, o historiador Fernando Rosas (n.
Lisboa, 1946) vai entrar nas nossas casas com a série História a História.
Numa primeira fase, o conjunto de 13 episódios vai ser exibido, semanalmente,
no horário nobre da RTP Internacional, e na RTP África (30 de Novembro); em
Janeiro entrará também na grelha da RTP nacional.
“Em
cada episódio vamos contar uma história a partir de um lugar, de uma
actividade, de uma personagem ou de um conjunto delas”, explica Fernando Rosas
na apresentação que faz ao PÚBLICO, no meio de mais um dia de filmagens, em
Ílhavo, desta sua experiência nova no formato documental televisivo.
O
primeiro episódio tem por título Rua do Arsenal, uma História Política do
Século XX. Com base nesta rua da Baixa de Lisboa nascida da reconstrução
pombalina, Fernando Rosas conta a história do século XX português, desde o
Regicídio de 1908 até ao 25 de Abril de 1974, passando pela implantação da
República, pelas revoltas, revoluções e episódios mais ou menos sangrentos das
primeiras décadas do século, e também pela consolidação do Estado Novo e pelos
discursos de Salazar na Sala do Risco do Arsenal. “É impressionante como uma
simples rua foi palco de tantos acontecimentos, e tão marcantes, da nossa
história contemporânea”, realça.
História
a História resulta de um convite da RTP, a que o historiador “não podia
dizer que não”. Elencou 13 temas, 13 histórias da História de Portugal, com a
“preocupação de a aproximar do grande público”.
A
meio da última semana, Fernando Rosas e a sua pequena equipa de sete pessoas –
dirigida pelo jovem produtor (GardenFilms) e realizador Bruno Morais
Cabral – percorriam numa autocaravana as margens da Ria de Aveiro a
registar imagens e testemunhos sobre a pesca do bacalhau. O PÚBLICO acompanhou
o segundo de dois dias de rodagem das imagens actuais que farão o nono episódio
da série, Faina Maior, a pesca do bacalhau. Primeiro, no interior do
arrastão “Santo André” (construído na Holanda, em 1948), que no antigo Forte da
Barra (agora Jardim Oudinot) perpetua a memória dessa faina mítica como uma
extensão do Museu Marítimo de Ílhavo; depois, já dentro do museu, frente ao
aquário de bacalhaus – “um dos peixes mais estúpidos que há, por isso fácil de
pescar”, comentava –, Fernando Rosas evoca, explica e desmonta o processo e o
imaginário associado a esta faina que ocupa um lugar à parte na história do
país. “Deixando de parte a questão de saber quem é que chegou primeiro à Terra
Nova, a verdade é que Portugal estava lá já no século XVI, com os seus barcos
de pesca”, diz o apresentador percorrendo o velho barco, agora “envernizado” a
azul-e-branco para objecto de museu.
Na
véspera, o cenário para esta viagem às memórias da faina tinha sido o belíssimo
lugre “Santa Manuela”, no interior do museu de Ílhavo. “Havia uma mística
ideológica criada pelo Estado Novo em volta da pesca do bacalhau, que incluía,
por exemplo, um Bispo do Mar que benzia os barcos à partida para a Terra Nova”
– explica-nos o historiador –, “e que era apresentada como a continuação da
gesta dos Descobrimentos”. As razões que tornaram o “projecto do bacalhau"
totalmente anacrónico ainda durante o governo de Salazar, e as mudanças que a
liberalização das pescas, nos anos 60, e depois o 25 de Abril trouxeram ao
sector são também elucidados pelo cicerone deHistória a História – que
para este episódio teve como consultor Álvaro Garrido, director do Museu
Marítimo de Ílhavo e um grande especialista do tema.
Filmar
com drones
Além
de entrevistas e testemunhos, cada episódio da série é feito com filmes de
arquivo, fotografias e outros documentos, além das imagens filmadas agora nos
cenários relacionados com cada tema – com recurso, inclusive, adrones, como se
poderá verificar nas vistas aéreas da Rua do Arsenal, no primeiro episódio.
“Mesmo se falamos de História, o nosso desafio é produzir um conteúdo
contemporâneo, dinâmico, que capte a atenção dos espectadores”, diz Bruno
Morais Cabral. O documentarista formado na Escola de Teatro e Cinema de Lisboa
e autor de Praxis (melhor
curta-metragem do DocLisboa de 2011) assume, no entanto, que a
presença de Fernando Rosas é o principal trunfo do programa.
É,
de facto, notório o à-vontade com que o político e ex-deputado do Bloco de
Esquerda enfrenta a câmara. O desafio maior, nas filmagens na Ria de Aveiro,
era mesmo manter-se penteado perante o vento forte que soprava nessa manhã de
sol. Recorrendo às tradicionais fichas de professor, que a anotadora Raquel
Bagulho lhe ia passando sempre que necessário, Fernando Rosas assume a câmara
de televisão como uma extensão da sua profissão. “Sou professor, gosto de
comunicar”, diz. Essa facilidade faz lembrar a presença televisiva de um José
Hermano Saraiva. Uma associação que Fernando Rosas aceita, de resto. “O Hermano
Saraiva era um magnífico comunicador, um homem com uma telegenia invulgar”,
diz, assumindo que visionou vários dos seus programas, e outros do género, para
“aprender, e para perceber como é que se tem feito História na televisão”. (Jornal Público)
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