quarta-feira, 25 de maio de 2016

Joel Neto, o "guardador da identidade da Terra Chã".


O Livro A Vida no Campo foi apresentado esta tarde em Lisboa. Fernando Alves, jornalista, leu uma carta aberta a Joel Neto em plena FNAC Chiado. E o autor comoveu-se, em Lisboa
A sala estava cheia e quente e ainda o trio sentado à mesa para onde todos os olhares convergiam não começara a falar. Hugo Gonçalves, da Marcador, começou a sessão de apresentação do livro A Vida no Campo, de Joel Neto - que junta um conjunto de textos publicados, diariamente, no Diário de Notícias: "Tal como Hemingway, [Joel Neto] consegue escrever com elegância sob pressão".
Hugo Gonçalves, que já fora camarada de redação de Joel Neto, agora no papel de editor destacou a literatura feita de pequenos nadas do açoriano que regressou às origens, na Ilha Terceira, há quatro anos: "O Joel só precisa de ver uma vaca a atravessar a estrada para escrever um romance". A plateia, mais-que-completa, riu-se. Joel também. Mal sabia o que viria a seguir.
O editor da Marcador seguia a sua "cábula eletrónica" e, quase a terminar, diria que Joel Neto encontrou, depois dos 30, "o amor e a paz de espírito e isso fez dele um escritor melhor."

O microfone - e o livro, estrategicamente colocado para as fotos e a transmissão vídeo em direto - mudou para a outra ponta da mesa. Fernando Alves, jornalista, contou-nos que "implorou a Joel Neto" para apresentar este livro, ainda ele não era livro, era um conjunto de textos publicados no Diário de Notícias. Que tinha "uma relação obsessiva" com aquelas crónicas do DN. "Ia aquela crónica como quem vai ao quarto dos pais", disse. "Ia às crónicas do Joel para me comover".
Depois Fernando Alves dirigiu-se, não à gorda plateia, mas ao autor, sentado à sua direita. E assim desfiou as folhas A4 em que trazia uma carta para Joel - que gostaria que também escutássemos.
O jornalista da TSF leu, então, uma espécie de metatexto do livro que ali se apresentava. Começou no início do livro, a dois dias do Equinócio, seguiu na peugada dos passos de Joel Neto, do cão Melville ("somos íntimos desse rafeiro dourado"), das gentes da Terra Chã: "Cada passagem é uma fajã".
Alves bebera as histórias de Joel com sofreguidão. Traz à salinha respirante e silenciosa o momento em que Joel Neto leva os seus leitores "para dentro de casa, para o único quarto sempre arrumado da casa, o quarto dos pais". Disse então Fernando Alves: "Não será este o único momento em que terei sido tomado por uma irresistível melancolia ou vontade de chorar". Lembrara-se do pai, no quarto dele em África, falar-lhe das constelações Cruzeiro do Sul ou o Sete Estrelo - que também está nas páginas de Joel.
Com estes textos diários (agora semanais, aos sábados) no DN e agora com o livro A Vida no Campo, Joel Neto transformou-se num guardião da memória. "Os teus textos são de alguém que não esquece" diria Alves a propósito do carteiro Emanuel, que citou Borges numa troca de piropos futebolísticos.
"Estás à escuta das palavras da tua ilha, esse magma primordial", disse-lhe o jornalista da rádio, que também quer escutar essas vozes. Alves confessou publicamente o desejo de seguir com o autor e o livro, Terra Chã fora, com o microfone a captar o som das vozes que pontuam o livro. Ouvir, por exemplo, o bombeiro que assistiu o avô de Joel quando este passou mal. Joel comove-se, com a discrição possível no centro dos olhares de uma sala cheia.
Joel, "guardador da identidade da Terra Chã", engoliu as lágrimas. Voltaria a olhar para Fernando e para a casa cheia. Mas o narrador voltaria às raízes das árvores e da família do autor (Joel Neto vive na casa que pertenceu ao avô). Às memórias em que se mexem a cada passeio ou na poda de árvores. Quando Fernando Alves se calou, Joel Neto não conseguia falar.
"É difícil explicar como tudo isto faz sentido". Tinha uma folha dobrada com agradecimentos que não conseguia fazer. Emocionou-se no coração de Lisboa - ele que se comove tanto nos Açores, como disse em entrevista ao DN.
Depois agradeceu à editora Marcador, à Booktailors, ao DN: "[o jornal] arriscou muito quando me pediu uma crónica, um exercício de estilo sobre o meu regresso insular."

A sessão terminou com uma longa fila para autógrafos. No sábado, às 23.00, Fernando Alves passa no seu programa da TSFZona Franca todas as músicas de A Vida no Campo. Se já estiver na Terra Chã, Joel Neto escutará no Roberts, o rádio com wi-fi, o único objeto que comprou no regresso aos Açores. (DN – 25 Maio 2016)


Sem comentários:

Enviar um comentário