O
quinto 'E Se Fosse Consigo' foi com Catarina Martins. Que fez tudo bem, dando
uma lição de cidadania que é um inestimável tempo de antena. Conceição Lino,
que dirige o programa, pergunta: "Ia discriminá-la porquê?"
"Até
já me tinha esquecido de que isto tinha sucedido." Catarina Martins não
fazia ideia de que o quinto episódio do programa E Se Fosse Consigo, da SIC,
que passou nesta segunda-feira, a teria como protagonista. "Aconteceu há
quase um ano. Ia gravar um tempo de antena para as legislativas no Jardim da
Estrela, ia ter com a equipa, já atrasada, e vi aquela cena." A cena era,
como é regra no programa, uma situação encenada, com atores: desta vez o tema
era a violência no namoro e um rapaz estava a ser violento com uma rapariga, a
tentar tirar-lhe o telemóvel. Catarina não fez como a maioria das pessoas que
passava e fingia não ver: interveio, enfrentou o agressor e até chamou a
polícia. Mas, depois de perceber que era um programa de TV, achou "que
nunca me iriam passar a mim, que seria naturalmente eliminada".
Não
foi, e Conceição Lino, a autora de E Se Fosse Consigo, diz que tal nunca
lhe passou pela cabeça: "Só a vimos quando já estava a interagir com a
rapariga e o rapaz mas nunca pusemos a hipótese de não passar a Catarina
Martins. É um programa sobre discriminação e ia discriminá-la? Pode ser
qualquer pessoa, e foi ela. Só foi muito bom para ela porque fez tudo
certo."
Catarina
Martins, que partilhou o programa no Facebook dando os parabéns à equipa,
assume que "o conceito de apanhados é um conceito de que não gosto
muito." Mas, prossegue, "este programa aumenta a censura social sobre
determinados comportamentos. E é óbvio que se não houver censura social sobre
certos comportamentos as coisas nunca mais mudam". E a reação das filhas,
de 13 e 10 anos, fez-lhe perceber que "o programa funciona. Veem-no com
muita atenção, debatem-no, é ponto de partida para discussões na escola".
O facto de se ter atrasado para um compromisso e de se ter sentido numa
situação de perigo - "Fiquei imensamente nervosa, porque a dada altura
achei que ia também apanhar" - não a levou a reagir mal quando, no fim,
lhe surgiu uma jornalista, de microfone em punho. "A miúda já tinha o
telemóvel e ia embora e eu preparava-me para ir atrás dela quando aparece a Conceição
Lino. Eu tinha chamado a polícia, que nunca mais aparecia, e de repente
lembrei-me e disse-lhe. Ela disse que a polícia estava avisada."
Impressionante
para a coordenadora do BE foi não ter havido ninguém, durante todo o tempo que
a cena durou, a aproximar-se e a fazer o mesmo que ela. "Aquilo que mais
me chocou foi que a dada altura a rapariga deixa cair o telefone e uma senhora
que estava com o neto disse ao rapaz que estava ali o que ele queria. Veio
ajudar o agressor. Inacreditável."
Essa situação não aparece no
programa, diz Conceição Lino, porque a senhora em causa não estava no
enquadramento. "Só
ouvi a voz, não a vimos." Esclarece no entanto que, sendo uma regra pedir
autorização às pessoas "apanhadas" para as mostrar no programa, já
sucedeu pôr no ar algumas que não autorizaram. "A esmagadora maioria dá
autorização e as que não dão eu respeito, mas posso mostrar resguardando a
identidade - houve no episódio da homofobia uma pessoa que não autorizou mas
que achei relevante mostrar."
Uma
questão delicada do ponto de vista deontológico, como de resto são as
encenações e a câmara oculta. Afinal, E Se Fosse Consigo é
jornalismo? "Aquilo é uma observação da realidade. Quero testar a reação
das pessoas; mas sobre a reação das pessoas não interfiro. Todos os assuntos
que abordo, o que acontece no programa é jornalismo", responde Lino, que
depois de um período a apresentar programas de entretenimento voltou a ter
carteira de jornalista. "Porque, o que é que é jornalismo?"
A
ideia, explica, "surgiu ao ver na net uma coisa sobre experiências
sociais. Achei que podíamos fazer uma coisa desse tipo. Se isto levanta
questões? Obviamente que me questiono. Mas de cada vez que chego ao fim de um
programa sinto-me muito mais satisfeita por fazer isto do que estaria sendo porta-microfone."
Considerando "o interesse público do programa evidente", confessa-se
chocada com "o grau de indiferença" evidenciado pela maioria das
pessoas nas situações encenadas. E por notar, por exemplo no programa sobre a
violência no namoro, que a reação dos turistas era diferente da dos
portugueses. Para melhor. (DN – 18.05.2016)
Sem comentários:
Enviar um comentário