segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Sherlock Holmes já pode ser usado sem direitos de autor.


Uma disputa legal nos EUA entre os herdeiros de Conan Doyle e um especialista em Holmes terminou com uma decisão histórica, que coloca (quase todo) o famoso detective no domínio público.
Tudo o que diz respeito à personagem de Sherlock Holmes, excepto alguns pormenores, passa a ser do domínio público, e portanto utilizável por todos os que desejarem fazer algum trabalho inspirado no famoso detective, na sequência de uma decisão judicial de um tribunal norte-americano que veio pôr termo a uma complexa disputa em torno de direitos de autor.
A decisão, tomada na segunda-feira mas noticiada apenas na sexta, representa uma dura derrota para os herdeiros de Sir Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, e autor de quatro romances e 56 contos com aventuras envolvendo o detective e o seu amigo Watson. Representa também uma vitória para Leslie Klinger, especialista naquela personagem ficcional e autor de vários livros sobre o tema.
A disputa chegou ao tribunal por causa do mais recente livro de Klinger, feito em colaboração com Laurie King, e em relação ao qual os herdeiros de Conan Doyle exigiram o pagamento de direitos de autor, ameaçando, caso isso não acontecesse, impedir a publicação. Klinger, que já tinha pago direitos relativamente a livros anteriores, nomeadamente A Study in Sherlock (pelo qual, segundo a Economist, a editora Random House pagou cinco mil dólares, cerca de 3600 euros), decidiu que desta vez ia contestar a exigência, por acreditar que a personagem de Holmes é já inteiramente do domínio público.
O interesse por Sherlock Holmes não tem diminuído, antes pelo contrário: nos últimos tempos surgiram novas obras a partir da personagem, desde as séries Sherlock, da BBC, e Elementary, da CBS, até aos filmes em que o actor Robert Downey Jr. interpreta o detective. Geralmente, em produtos com esta notoriedade, os responsáveis têm preferido pagar direitos aos herdeiros para evitar problemas, diz ainda a Economist.
A questão dos direitos de autor, neste caso, é particularmente complicada porque envolve subtilezas da lei norte-americana. No resto do mundo, incluindo o Reino Unido, onde as obras entram em domínio público 70 anos após a morte do autor (Conan Doyle morreu em 1930), já não existe nada que impeça que Holmes seja utilizado noutras histórias por outros autores. Mas esta regra só foi introduzida nos Estados Unidos em 1977 e por isso só de aplica a obras posteriores a essa data.
Sendo que as obras anteriores a 1923 são já do domínio público, resta o período entre 1923 e 1977, em que a regra nos EUA é esperar 95 anos após a publicação – e é precisamente aí que se situa The Case-Book of Sherlock Holmes (Os Casos de Sherlock Holmes, na edição portuguesa) , um conjunto de 10 contos publicados nos EUA em 1927 e que só entrarão no domínio público em 2023. Quem quiser utilizar algum elemento que faça parte destas histórias terá que pagar direitos aos herdeiros de Conan Doyle, de acordo com a lei americana. Todos os outros livros com Holmes foram publicados antes de 1923 e por isso podem ser usados livremente.
O problema é que os detentores dos direitos de Conan Doyle argumentam que Holmes é uma “personagem complexa” e que se pormenores da sua personalidade ainda estão protegidos pela lei, isso significa que toda a personagem está, porque não faz sentido separá-lo em partes. “O facto é que Sir Arthur continuou a desenvolver as personagens nas dez histórias que ainda estão protegidas, acrescentando aspectos significativos a cada personagem, criando nova história sobre a dinâmica da relação entre elas, alterando a visão que Holmes tem do mundo e dando-lhe novas capacidades. E fez isto de uma forma não linear”, alegam, na defensa que apresentaram em tribunal, citada pelo The Guardian. Acrescentam que  Klinger “sugere que Holmes e Watson podem ser desmantelados em versões parciais deles próprios”.
O tribunal não lhes deu razão nestes argumentos, e deliberou que tudo o que diz respeito a Sherlock Holmes, excepto elementos que surgem exclusivamente nas dez histórias pós-1923, pode a partir de agora ser usado livremente. Isto significa, por exemplo, que detalhes como o segundo casamento de Watson ou a passagem à reforma de Holmes só podem ser citados noutras obras se forem pagos direitos aos herdeiros.

Klinger manifestou o seu contentamento com a decisão, afirmando que “Sherlock Holmes pertence ao mundo”, e congratulando-se com o facto no blogue que criou para acompanhar o caso judicial e ao qual chamou Free Sherlock!. O livro que deu origem à disputa, In the Company of Sherlock Holmes, de Klinger e Laurie King, será publicado pela Pegasus Books em 2014.  (Jornal Público – 29.12.2013)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Banhos judaicos medievais descobertos em Coimbra.


Técnicos da autarquia descobriram por acaso na cave de um prédio o que parece ser uma pequena piscina medieval para uso ritual de mulheres judias.
Uma rotura de canos num prédio de Coimbra levou à descoberta do que se julga ser uma estrutura medieval destinada a banhos rituais femininos judaicos. Esta espécie de pequena piscina para fins religiosos apareceu na cave de um edifício da Rua do Visconde da Luz, na área da antiga judiaria da cidade, e está surpreendentemente bem preservada.
O arqueólogo Jorge Alarcão diz que, neste estado de conservação, “pode ser caso único em Portugal”. E o presidente da Câmara de Coimbra, Manuel Machado, embora ressalve que “o estudo do achado ainda está a decorrer”, admite que se trate da “descoberta arqueológica mais importante que se fez em Coimbra ao longo dos últimos 70 anos”.
Ou seja, depois da descoberta do criptopórtico romano, agora devidamente recuperado e visitável no recentemente reaberto Museu Nacional Machado de Castro, o achado destes banhos judaicos promete oferecer mais uma peça importante ao património de Coimbra. Mas ainda há muito a fazer. Neste momento, explica Manuel Machado, “está-se ainda a identificar os proprietários e os direitos envolvidos, uma vez que não havia qualquer registo daquela existência”. O autarca explica que o que agora se descobriu “está na cave de um prédio particular, ao lado da Ourivesaria Marialva”, mas alerta para a possibilidade de a investigação poder vir a revelar que este tanque integra um conjunto mais vasto, cuja área abranja também o subsolo de outros edifícios da zona.
O que para já se trouxe à luz parece ter boas possibilidades de ser um dos mais antigos banhos rituais judaicos (mikvá) descobertos na Europa, já que tudo indica que não seja posterior ao século XIV. E se efectivamente se destinava a banhos rituais femininos, é ainda mais raro.
A comunidade judaica está documentada em Coimbra desde tempos anteriores à nacionalidade, e sabe-se que a Rua de Visconde da Luz, outrora chamada do Coruche, era um dos limites da chamada judiaria velha, que terá sido desactivada no reinado de D. Fernando I, por volta de 1370. Daí que Jorge Alarcão acredite que estes banhos “já funcionavam certamente antes do tempo de D. Fernando”.
Avaria providencial
Se há males que vêm por bem, pode dizer-se que foi o caso com o rebentamento dos canos de esgoto de um prédio da Rua do Visconde da Luz, mais precisamente o n.º 21. Quando os técnicos municipais da Divisão de Promoção e Reabilitação da Habitação foram tentar resolver o problema, viram-se na necessidade de aceder a um espaço fechado nas traseiras do edifício. A divisão não seria usada há muito e foi preciso arrombar uma porta de metal. Verificou-se, então, que se tratava da entrada para uma cave, à qual se acedia por um lance de escadas em pedra. Nesta cave, uma nova abertura conduzia ainda mais abaixo, ao que parecia ser uma fonte de chafurdo ou mergulho (fontes das quais tradicionalmente se tirava água submergindo as próprias vasilhas).
Alertado o Gabinete para o Centro Histórico, foram feitas duas visitas ao local nos dias 18 e 19 de Novembro, que envolveram técnicos de várias especialidades, incluindo a arqueóloga Raquel Santos, a historiadora de arte Luísa Silva e o técnico de conservação e restauro Manuel Matias.
O que encontraram foi uma gruta natural de calcário, aparentemente utilizada para vários fins ao longo dos tempos. E quando desceram os degraus e viram a pequena piscina, começaram por admitir que pudesse efectivamente tratar-se de uma fonte de chafurdo. Mas à medida que investigavam mais minuciosamente o local, foi-se tornando evidente que aquele era um espaço que fora cuidadosamente concebido.
Por cima da cabeceira do tanque, descobriram-se mesmo vestígios muito razoavelmente conservados de um antigo fresco com motivos florais. Os técnicos estão convencidos de que esta pintura datará provavelmente dos séculos XVI ou XVII e corresponderá à última fase de utilização ritual deste tanque.
Dado que a estrutura se encontra na área da judiaria velha, e parece corresponder perfeitamente às descrições dos banhos de purificação judaicos da época, a convicção actual é de que se trata mesmo de uma mikvá (também grafado mikvah ou mikveh). Os frescos, e a própria dimensão reduzida do tanque, apontam para que fosse usado por mulheres.
A descoberta já foi comunicada à Direcção Regional de Cultura do Centro e, neste momento, segundo Manuel Machado, a prioridade é identificar todos os eventuais proprietários envolvidos, estudar o achado, garantir a sua preservação e verificar se não faz parte de um sistema mais amplo.
A fraude holandesa
E os próximos tempos servirão também para se confirmar de modo mais inequívoco que se trata mesmo de banhos rituais judaicos. Há precedentes de descobertas semelhantes cuja autenticidade veio a ser contestada. É o caso damikvá da cidade holandesa de Venlo, descoberta em 2004, datada do século XIII e publicitada como a mais antiga do país.
O município gastou cerca de dois milhões de euros em obras de restauro e na construção de uma nova ala no museu municipal, onde os supostos banhos medievais judaicos iriam ser admirados. Mas afinal parece que a cave em causa nunca fora utilizada para quaisquer rituais judaicos e que o arqueólogo municipal fora instruído pelos seus superiores para defender a tese de que se tratava de uma mikvá e silenciar quaisquer hipóteses alternativas.
O que é significativo neste recente caso holandês é verificar-se que a descoberta de uma mikvá medieval é considerada suficientemente relevante para levar poderes públicos a tentar confirmá-la por meios fraudulentos. Com o turismo cultural judaico em franco crescimento, este é um tipo de achado que pode tornar-se altamente rentável. E a suposta mikvá de Venlo tinha ainda a adicional importância simbólica de atestar a existência de uma comunidade judaica fortemente estruturada muito antes da chegada ao país dos judeus fugidos de Espanha e Portugal.
Aquela que é reconhecidamente a mais antiga mikvá conhecida na Europa é a de Siracusa, na Sicília, que datará provavelmente do século VII. Bastante mais antigos são os banhos rituais judaicos descobertos em 2009 em Jerusalém, uma estrutura de grandes dimensões que se crê ser anterior à destruição do segundo Templo, em 70 d.C..

Nos meios do judaísmo ortodoxo a mikvá, que tem de ser alimentada por uma fonte natural de água, desempenha ainda hoje um papel importante. As mulheres usam as que lhes são destinadas para recuperar a “pureza ritual”, designadamente após o ciclo menstrual ou depois de um parto. Os regulamentos obrigam a que todo o corpo entre em contacto com a água e asmikvá actuais têm geralmente uma funcionária encarregada de ajudar as mulheres a cumprir correctamente este e outros preceitos.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Museu de Arte Antiga compra em Londres uma peça “ímpar” resgatada aos escombros de 1755.


Baixo-relevo de cerca de 1575 retrata o teólogo Diogo de Paiva de Andrade e foi adquirido por 43 mil euros, anunciou esta sexta-feira a Direcção-Geral do Património Cultural.
Não se sabe quem a terá resgatado intacta às ruínas da Capela de S. Nicolau de Tolentino, da Igreja do Convento da Graça, de Lisboa, depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755. Sabe-se apenas que em algum momento depois esta peça “ímpar” entrou para a colecção de Sebastião José de Carvalho e Mello, Marquês de Pombal. Terá estado com os seus herdeiros até em 1997 surgir pela primeira vez no mercado. Agora, 16 anos volvidos, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) conseguiu adquirir este baixo-relevo datado de cerca de 1575 e que retrata Diogo de Paiva de Andrade, um dos mais importantes teólogos portugueses.
A obra, um medalhão em bronze com 33 centímetros de diâmetro, posteriormente emoldurado e com uma base em mármore, chegou esta quarta-feira ao MNAA, onde integrará as colecções de escultura.
“Já na época do Marquês de Pombal se percebeu a importância histórica deste medalhão”, explica Anísio Franco, conservador de escultura e vidros do museu. Também especialista em leilões, Anísio Franco chama a atenção para uma segunda placa aplicada no século XVIII ao reverso do medalhão quinhentista. Nessa segunda placa, uma longa inscrição em latim explica vários aspectos da memória transportada pela peça em que o rosto de Diogo de Paiva de Andrade ficou gravado num retrato lateral, feito na tradição renascentista das peças “ao romano” com que mais de um século antes, em Itália, se tinham começado a celebrar os grandes heróis antigos e contemporâneos.
A inscrição setecentista estabelece, por um lado, os principais dados biográficos de Paiva de Andrade, contemporâneo de D. Sebastião e o mais importante agostinho do reino, participante, aos 33 anos, no Concílio de Trento, considerado um dos três concílios fundamentais da Igreja Católica. Por outro lado, a inscrição fala do processo de achamento do próprio medalhão, contando como “foi recuperado intacto das ruínas” da capela onde o teólogo foi enterrado em 1575 e como a peça foi depois “esquecida até ao momento em que (…) Sebastião José de Carvalho e Mello (…) corrigiu esta negligência”, fazendo com que a memória de Paiva de Andrade “fosse protegida da devastação do tempo”.   
“A inscrição demonstra que havia já, nitidamente, uma vontade de preservação de memória”, sublinha Anísio Franco. Uma vontade que se liga hoje tanto à importância da personagem retratada quanto às características formais da própria peça e ao seu percurso histórico.
Com dimensões que ultrapassam em muito a medalhística no sentido em que hoje estamos habituados a pensá-la, não se conhece, em Portugal, outra peça semelhante. “Tem alguma raridade, mesmo considerando a produção internacional”, diz Maria João Vilhena de Carvalho, também conservadora de escultura do MNAA.
“No contexto das obras do museu é ímpar. Não temos nenhuma que se possa assemelhar a esta”, refere a especialista, apontando exemplos de produção internacional em quase todos os grandes museus do mundo, instituições como o Victoria & Albert, de Londres, ou o Kunsthistorisches Museum, de Viena.
Um feliz achado
Só agora, com a entrada nos acervos do MNAA, começará o estudo aprofundado deste medalhão. Até aqui desconhece-se, por exemplo, a sua autoria. No entanto, segundo Maria João Vilhena de Carvalho, a sua produção é “provavelmente” nacional, eventualmente por influência de – ou executada por – algum artista italiano a trabalhar, à época, no reino.
Não se sabe também de quem terá partido a encomenda. Outras peças internacionais semelhantes serviam, na maior parte dos casos, como presentes de aparato – ofertas, por exemplo, entre príncipes. O medalhão português “terá sido pensado para uma parede ou mesmo para o túmulo” de Paiva de Andrade, explica ainda Maria João Vilhena de Carvalho.  
Depois de por volta de 1438 Pisanello ter cunhado a medalha comemorativa normalmente considerada como a cabeça de série renascentista desta forma de difusão do retrato – com o busto de João VIII, penúltimo imperador bizantino, por ocasião de uma sua visita a Itália –, muitos dos mais importantes artistas do período deixaram peças deste tipo. No entanto, a importância para Portugal do medalhão dedicado a Paiva de Andrade foi evidente para o conhecido comerciante de arte londrino Rainer Zietz.
Anísio Franco conta que o marchand entrou pela primeira vez em contacto com o MNAA em 2005, oito anos depois de a peça ter aparecido pela primeira vez no mercado, num leilão da Christie’s de Londres, onde foi vendida por mais de 16.500 libras (20 mil euros, ao câmbio actual). Nesse primeiro contacto, quando os especialistas do MNAA primeiro tomaram conhecimento da peça, Zietz propunha ao museu uma compra no valor de 150 mil euros – mais de sete vezes o valor por que a obra tinha antes ido à praça. Ainda assim, o museu entendeu que a aquisição devia ser feita. O parecer enviado à tutela acabou, no entanto, na altura, por não ter seguimento. Entretanto, já em Julho deste ano, a peça voltou ao mercado, desta vez através da Sotheby’s. E com uma expectativa de venda inferior: entre as 40 mil e as 60 mil libras (aproximadamente 48 mil e 72 mil euros).

Não suscitando interesse, a peça, que compunha o lote 81, acabou por ser retirada sem licitações – o que permitiu ao MNAA fazer uma proposta de aquisição mais vantajosa: 36 mil libras (43 mil euros).
Os valores inicialmente propostos por Zietz eram “equivalentes aos [de obras semelhantes] do mercado internacional”, explica Anísio Franco. O especialista aponta, contudo, o que o proprietário acabou por perceber: que “esta peça só interessa realmente ao mercado português”. Depois, o marchand teve ainda que considerar o actual contexto nacional: “Nas circunstâncias actuais, o proprietário percebeu que o valor de 2005 seria impossível.”
“Acaba por ser um achado, um feliz achado”, conclui Maria João Vilhena de Carvalho.

Foi uma de apenas duas aquisições que o MNAA, o mais importante museu nacional, fez em 2013, juntando-se a uma peça de joalharia da Colecção António Barreto. (Jornal Público)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O Palácio Nacional de Queluz, tal como antigamente, vai voltar a ser palco de concertos.


Foi anunciada a temporada de música para 2014 com 11 concertos no Palácio Nacional de Queluz. O histórico pianoforte de Clementi foi recuperado e vai ser tocado nos dois ciclos programados.
A música vai voltar àquele que foi o palco de festas e concertos da corte real de D. Maria I e de D. Pedro, ou seja, ao Palácio Nacional de Queluz. Mais especificamente, às salas por onde passaram músicos conceituados da época. Para 2014 estão programados dois ciclos, um de Carnaval e outro de Outono, tal como se fazia na altura. A música vai levar-nos a esse tempo da monarquia pela mão de alguns dos maiores nomes da actualidade, como o pianista holandês Ronald Brautigam ou o português Pedro Burmester.
Mas se com esta programação, que tem por nome Temporada de Música – Tempestade e Galanterie e que arranca a 8 de Março, o seu director artístico Massimo Mazzeo nos quer transportar para a época dos grandes bailes e concertos da corte, muito se deve também à recuperação de uma das jóias do Palácio de Queluz, o pianoforte de Clementi. Este instrumento musical com mais de 200 anos estava há 12 arrumado e a precisar de um grande trabalho de intervenção. Na semana passada voltou finalmente ao seu lugar, a Sala da Música, uma das mais antigas do Palácio, e já se pôde ouvir o som que dele sai, podendo imaginar-se até D. Maria (representada no quadro que está pendurado na parede junto ao instrumento) embalada por aquela música.
“Este é o regresso à cena do pianoforte, uma peça excepcional de grande raridade”, disse na conferência de imprensa de apresentação desta programação musical a directora do Palácio de Queluz, Inês Ferro, explicando que este instrumento histórico, construído pelo célebre compositor e intérprete italiano Muzio Clementi, “esteve esquecido 12 anos” mas depois de ter sido “completamente desmontado e restaurado” vai permitir finalmente que a música volte a ser tocada no Palácio. E tal como foi antigamente, vai voltar a ser agora.
Para Massimo Mazzeo, director musical da Divino Sospiro, responsável também pelo Centro de Estudos Setecentistas de Portugal, “Clementi retorna ao lugar que lhe é próprio”. E por isso mesmo é o italiano e o seu instrumento o foco do concerto inaugural marcado para o dia 8 de Março na Sala da Música. No pianoforte vai estar o holandês Ronald Brautigam para tocar reportório de Clementi, em tributo ao italiano.
O pianoforte é aliás a figura central do Ciclo de Carnaval, estando presente em todos os concertos. No dia 12 de Março volta a ser tocado mas desta vez pelas mãos do sul-africano Kristian Bezuidenhout, que apresentará em Queluz “um repertório onde se destaca a obra do compositor Carl Philip Emanuel Bach, assinalando assim os 300 anos do seu nascimento”. Segue-se depois um concerto na Sala dos Embaixadores, no dia 16, preparado pela musicóloga e crítica de música clássica do PÚBLICO Cristina Fernandes, que pretende recriar historicamente o espírito das festas do final do século XVIII. O ciclo de Carnaval termina com mais três concertos, o último dos quais no dia 29 de Março a cargo do pianista Pedro Burmester, que tocará pela primeira vez num pianoforte.
“No meu percurso de músico sempre dei importância à recuperação do património porque é a recuperação de identidade, e é isso que estamos a fazer aqui”, explicou Massimo Mazzeo enquanto apresentava a programação, destacando a importância destas obras serem tocadas no Palácio de Queluz. “O que vai acontecer aqui é a música a ser tocada dentro do espaço para o qual foi pensada”, disse o director artístico, para quem hoje em dia se ouvem “coisas completamente descontextualizadas. A ideia é por isso que, em cada concerto, se regresse à vivência total da música, recriando-se, tanto quanto possível, as condições originais da sua primeira interpretação.
E porque antigamente a época de espectáculos se dividia habitualmente em dois ciclos, em Outubro a música volta ao Palácio num Ciclo de Outono com mais cinco concertos. E aqui Mazzeo destaca o primeiro espectáculo, a 3 de Outubro, “um concerto de referência para toda a temporada” com Midori Seiler, no violino e Jos van Immerseel, no pianoforte. “Dois músicos que pisaram os palcos mais importantes do mundo, estamos a falar do pico mais alto do que temos hoje em dia na interpretação”, disse o director artístico, mencionando ainda o último concerto, a 25 de Outubro, em que a Orquestra Gulbenkian será dirigida pelo maestro argentino Leonardo Garcia Alarcón.
Os preços dos bilhetes para estes concertos variam entre 15 e 20 euros, existindo ainda dois passes especiais que permitem o acesso a todos os concertos de cada ciclo, com preços entre os 60 e os 90 euros.

“Era aqui que a corte se divertia e por isso tudo o que está pensado para esta temporada faz sentido”, disse António Lamas, presidente do conselho de administração da Parques de Sintra, empresa que gere o Palácio de Queluz, esperando com esta iniciativa conquistar “mais e diferentes visitantes”. “Queremos que a música se torne no principal motivo de atracção do Palácio”, acrescentou ainda o responsável, garantido que “este é um programa para se repetir com regularidade”. “É para se tornar um hábito.” (Jornal Público)

domingo, 15 de dezembro de 2013

Mesmo aos 500 anos o Bairro Alto não pára de se reinventar.


Era novo e começou por vender pentes, mas não ganhava muito. Por isso, Mário Ventura decidiu-se pelas fotografias pornográficas. A venda de jornais eram a sua cobertura para negociar imagens de uma revista sueca, para não levantar suspeitas junto das autoridades. “Conseguia vender muitas – enquanto um pedreiro ganhava 60 escudos, eu fazia 2000 por noite”, conta. Aos 69 anos, este homem já fez de tudo um pouco no Bairro Alto, em Lisboa. Trabalhou numa mercearia na Rua da Barroca, que já não existe, e na Adega Mesquita, a primeira casa de fados do bairro.
Desde então, a zona evoluiu e mudou muito. Ficou irreconhecível. As camaratas, onde Mário viveu durante algum tempo, desapareceram, assim como os espaços agrícolas “Havia uma vacaria onde é o Bar Nélson”, recorda. E a população e quem ali passa também mudou. O Bairro Alto celebra neste domingo os 500 anos da sua fundação. Por ali passaram jesuítas, nobres, marinheiros, prostitutas, jornalistas e artistas.
Mas foi sobretudo a partir do século XIX que as ruas começaram a encher-se de jornais. Com eles vieram as tascas, os artistas e o bairro acolheu as actividades que lhe dão fama até aos dias de hoje.
Se os dias do bairro são pouco agitados, o mesmo não acontece com as noites. A dinâmica da noite nasceu com as rotinas jornalísticas de então. Ao contrário de outros serviços ou empresas, os jornais fechavam tarde e os seus profissionais saíam e não regressavam às suas casas – ficavam pelo bairro, a conviver.
Mas não foi só esta dinâmica que tornou o Bairro Alto um espaço da cidade especial. As características morfológicas fizeram com que ali se polarizassem as actividades ligadas à cultura. “Se não tivesse ruas estreitas e se não tivesse a ausência de praças no interior do bairro, a apropriação do espaço era diferente”, considera Pedro Costa, professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), de Lisboa, e que desenvolveu uma investigação em torno do Bairro Alto.
De facto, no centro do bairro não existe uma única praça, o que lhe confere, segundo o arquitecto Hélder Carita, uma certa privacidade. “No interior é privado e as relações mais urbanas e contactos exteriores fazem-se na sua periferia, características que estão muito relacionadas com a instituição aqui dos jornais”, explica.
“De bairro central da produção passa para bairro central do consumo”, adianta Pedro Costa. “Havia artes performativas e visuais que eram criadas aqui e que, depois, foram substituídas por outras, como as lojas de roupa cara, galerias e antiquários”, diz.
Para o investigador, esta diferença explica-se pela “gentrificação“, um conceito da sociologia que se refere ao processo de transformação dos espaços quando estes começam a tornar-se moda e a ganhar valor imobiliário.
“Há um aumento daquilo que é a marca do bairro. As pessoas começam a frequentar o espaço e a procurá-lo para viver. E aquilo que são as actividades mais culturais tem tendência a sair”, explica o investigador que aponta como motivo as elevadas rendas que estes negócios não conseguem suportar e o facto de serem actividades alternativas, para as quais o “estar na moda” pode ser negativo.
Mas outros permanecem no Bairro Alto. Já depois do 25 de Abril, em 1981, Fernando Fernandes e José Miranda criavam o restaurante Pap’Açorda. Em 1982, Manuel Reis fundava o Frágil. E de seguida muitos outros negócios começaram a surgir. Bares, restaurantes, lojas de roupa e decoração. O bairro fervilhava, tanto de dia como de noite.
O professor de História e Teoria da Arquitectura na Universidade de Coimbra Jorge Figueira vê este movimento como o “festejo da democracia” de um Portugal que não estava habituado a sair à rua, sendo o Bairro Alto "a sua forma mais exponenciada”. Então espaço de “vanguarda” para novas expressões artísticas, essa componente “foi-se diluindo” com o passar do tempo.
Segundo Jorge Figueira, o que se passou nas décadas seguintes explica-se com a “democratização da vida nocturna”. Volvidos mais de 30 anos, pouca coisa se mantém igual. De dia está praticamente vazio e à noite o espaço ganha vida.
Há 18 anos que a loja de tatuagens Bad Bone Tattoos permanece na Rua do Norte. Natacha Fontinha é a proprietária e defende que a globalização chegou ao bairro e onde antes havia diversas “tribos urbanas” existem agora pessoas que são “todas iguais e vêm ao bairro para beber”.
O charme do bairro histórico 



No outro dia, o Rúben morreu. “Mais novo do que eu, morava ali no terceiro andar. Do meu tempo conheço aí uns quatro ou cinco”, desabafa Mário Ventura. O envelhecimento da população não é um dado novo, mas quem por lá passa de dia pode agora ver mais gente jovem e não apenas turistas.
Ana Monteiro, 27 anos, fez o mestrado em Psicologia em Coimbra e veio para Lisboa à procura de trabalho. Há um ano que vive numa das ruas mais movimentadas do Bairro Alto e admite que uma das razões da escolha foi o preço da renda. Apesar do barulho da noite, sobretudo ao fim-de-semana, não pondera mudar-se enquanto não encontrar um apartamento com melhores condições.
Um estudo urbanístico de 2013 do investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa Luís Mendes detecta um número crescente de pessoas em idade activa a fixar-se no bairro. Apesar de não se tratar ainda de um processo de “gentrificação” – que implicaria o estabelecimento de pessoas com outro poder de compra –, o investigador aponta outras características dos novos moradores: são estudantes, imigrantes qualificados e jovens trabalhadores. Não são “indivíduos propriamente endinheirados”. Verifica-se, assim, um processo “gentrificação marginal”.
Este perfil de morador “sente-se atraído por um espaço histórico e genuíno, com tudo o que isso empresta à sua distinção social”, continua Luís Mendes. No entanto, “a sua rede social fundamental não assenta no bairro nem nas pessoas que lá vivem”, explica.
O comércio tradicional, já a contas com a crise, acaba por se ressentir. Na Drogaria Santos & Celestina, na Rua da Rosa, já chegaram a trabalhar seis pessoas. Restam José Escadeiro e a mulher que, admitem, se lhes fizessem uma boa proposta, iam-se embora. “O que ganhamos mal chega para os dois”, diz o proprietário.
Se a tendência para a “gentrificação” mais agressiva é já uma realidade, Pedro Costa explica que há certos aspectos que impedem que a transformação do bairro seja mais acelerada. “Existem restrições em termos de planeamento. O Plano de Pormenor não deixa construir com certos materiais, não deixa instalar elevadores, tem restrições ao trânsito. As pessoas não podem parar o seu carro à porta e as casas são muito pequenas”, enumera.
Um dos autores do estudo que compara o Bairro Alto a outros bairros culturais no mundo, Cidades, Comunidades e Territórios, de Junho de 2013, Pedro Costa dá o caso da Vila Madalena, em São Paulo, como exemplo. “Era um bairro de habitações familiares que começou a ser ocupado por artistas quando a Universidade de São Paulo foi para ali. Mas depois virou moda, os preços das casas subiram e as vivendas, que tinham ateliers, começaram a ser substituídas por prédios de nove andares”, conta o investigador.
Para o professor do ISCTE, isso está longe de acontecer no Bairro Alto. E concorda com Hélder Carita, quando este diz que “há vantagens em não ter havido grandes processos de reabilitação dos edifícios do Bairro Alto”. “Quando isso acontece, as pessoas ficam com casas muito boas, vendem-nas e vão para a periferia”, defende o arquitecto.
Também têm aparecido outros pólos de criação cultural e de diversão nocturna na cidade – como o Intendente, a Mouraria, a Bica e o Cais do Sodré –, o que, no futuro, pode levar a uma dispersão maior por Lisboa. “Isso pode acontecer, mas há um conjunto de condições relacionadas com a centralidade, a acessibilidade, a história e a imagem que não se fabricam de um momento para o outro. Não se consegue plantar um bairro destes na Mouraria, porque não existem as mesmas redes de pessoas, hábitos e relações”, defende Pedro Costa.



Alexandre Oliveira, um dos directores do Teatro do Bairro, é da mesma opinião. “Há uma tradição enorme. Haverá outras gerações a seguir à minha que reinventarão o bairro de outra forma. Acho é que devemos dar um contributo para ser mais voltado para a cultura e menos para o lúdico”, refere. Também Hélder Carita partilha esta ideia: “O bairro vai ser sempre reinventado. Tem uma tradição transgressiva. Não é um bairro com características ideais. Se fosse, seria um bairro morto. Tem de viver de tensões.” (Jornal Público – 15.12.2013)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Casa onde viveu Manoel de Oliveira classificada como Monumento de Interesse Público.


A Casa Manoel de Oliveira, na freguesias de Aldoar, foi construída em 1940 para habitação do cineasta, estando instalada "na área mais elevada de um lote estruturado em plataformas, apresentando dois pisos confinantes com a rua da Vilarinha e três voltados para o jardim".
De acordo com a portaria do DR, "para além da relevância do promotor do projecto, que habitou a casa durante grande parte da sua vida", o imóvel está igualmente ligado "a grandes nomes do modernismo português".
José Porto foi o autor do projecto arquitectónico, Viana de Lima detalhou o projecto do interior e Cassiano Branco foi o responsável pelos seus espaços exteriores, pormenoriza o documento governamental, assinado no início da semana passada pelo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier.
Os arquitectos Eduardo Souto de Moura, Gonçalo Ribeiro Telles e Alexandre Burmester estão também ligados ao imóvel, no âmbito das "alterações posteriores da casa e jardins".
Souto de Moura "traçou os campos de jogos, a piscina e o ginásio, Gonçalo Ribeiro Telles, [foi o] autor de um estudo dos jardins e Alexandre Burmester projectou a recuperação da casa, distinguida com o prémio [municipal] João de Almada", acrescenta a portaria.
Manoel de Oliveira encomendou aquele conjunto formado por habitação unifamiliar e jardins, tendo lá vivido durante 42 anos (entre 1940 e 1982).
A casa "está implementada na área mais elevada de um lote estruturado em plataformas, apresentando dois pisos confinantes com a Rua da Vilarinha e três voltados para o jardim", lê-se na portaria, que acrescenta ainda que "a planta articula dois corpos rectangulares através de um corpo central em forma de leque, cujas superfícies curvas e orgânicas contrastam com a linearidade dos volumes externos, um deles encimado por terraços".
As comemorações para assinalar no Porto o aniversário do mais velho realizador do mundo, Manoel de Oliveira, têm o seu ponto alto hoje, dia em que cumpre 105 anos de idade. O programa inclui a inauguração, no Museu Nacional da Imprensa, da exposição Manoel de Oliveira. 105 Revistas, um momento que deverá contar com a presença do realizador.

Ao final do dia, o realizador deverá marcar também presença no lançamento de uma peça de porcelana da Vista Alegre, com motivos do filme Aniki-Bóbó. (Jornal Público)


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Morreu o pintor Nadir Afonso, mestre da abstracção geométrica.


O arquitecto e pintor Nadir Afonso morreu esta quarta-feira aos 93 anos. Nadir Afonso estava internado no Hospital de Cascais.
Nadir Afonso, que foi um dos introdutores da abstracção geométrica em Portugal, pintou até ao final da sua vida.
“É um dos pioneiros da abstracção geométrica em Portugal, juntamente com Fernando Lanhas e Joaquim Rodrigo. Fazem parte da primeira geração que procurou resgatar no país um verdadeiro processo modernista que ficou sempre adiado depois da morte de Amadeo de Souza Cardoso”, diz Pedro Lapa, director do Museu Berardo, em Lisboa.
Nadir Afonso morreu esta quarta-feira, pouco depois de fazer 93 anos, noHospital de Cascais, disse à agência Lusa a família.
Depois de ter vivido a infância em Chaves, onde nasceu a 4 de Dezembro de 1920, Nadir Afonso mudou-se para o Porto onde foi estudar Arquitectura em 1938 na Escola de Belas-Artes. Estudou também em França, na escola Beaux-Arts de Paris, onde chega em 1946.
Foi da sua geração a figura que mais frutos colheu dos contactos com a vanguarda internacional: “Viveu em Paris. Trabalhou com Le Corbusier, foi colega do [compositor] Xenákis, que também foi arquitecto, foi amigo e colega de Vasarely. Também trabalhou com o Niemeyer em São Paulo. Expôs na Galeria Denise René, centro das vanguardas construtivistas do pós-guerra em Paris.”
Foi depois do período brasileiro, entre 1952 e 1954, que Nadir Afonso decidiu abandonar definitivamente a arquitectura para se dedicar em exclusivo à pintura.
No período das décadas de 1940 e 1950, distante de Portugal, “realiza uma obra por vezes mal avaliada na extensão, complexidade e actualidade das suas propostas". "É ele que faz a primeira pintura cinética em Portugal”, continua Pedro Lapa, referindo-se ao objecto cinético Espacillimité (1956). Por último, Lapa refere os muitos livros que escreveu e publicou, “desenvolvendo uma actividade de teorização e reflexão ímpar no contexto dos artistas portugueses das sua geração”.
Em 2010, o Museu do Chiado dedicou a Nadir Afonso uma extensa exposição, intitulada Sem Limites, com cerca de cem obras. O artista morreu, contudo, sem ver inaugurada a sede da fundação com o seu nome.
Em Chaves e com um projecto do arquitecto Siza Vieira orçado em nove milhões de euros, a Fundação Nadir Afonso teve data de inauguração marcada para Julho deste ano. Em Setembro de 2012 o Governo anunciou que o estatuto de utilidade pública fora retirado ao projecto. Nessa altura, Siza Vieira lamentou ao PÚBLICO a  “espantosa velocidade com que se tomam posições a meio das obras, deixando de lado os compromissos assumidos”: "A noção que isto dá é a de um barco à deriva, e a afundar-se. E deixamos o país em ruínas", criticou.

Esta quarta-feira o arquitecto disse à imprensa ser “um desgosto” Nadir Afonso não chegar a inaugurar a fundação onde a sua obra ficaria exposta. Já na nota de pesar que remeteu à imprensa em seu nome e do Governo, o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, escreveu: "Nadir Afonso é uma figura de proa das artes portuguesas, um artista que, através dos seus ideais e ao longo de décadas, estabeleceu uma linguagem pioneira na pintura portuguesa do seu tempo. [...] Enquanto arquiteto, pintor ou pensador, Nadir Afonso conseguiu sempre representar Portugal e as artes portuguesas ao mais alto nível em todo o mundo." (Jornal Público – 11.12.2013)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Morreu Edouard Molinaro, o realizador de A Gaiola das Malucas.


Começou a carreira quando a Nouvelle Vague anunciava uma nova era mas, ao contrário dos nomes que com ela emergiram, como Godard ou Truffaut, estava no coração da indústria cinematográfica. Começou pelos policiais, mas foi na comédia que encontrou o seu verdadeiro veículo expressivo, trabalhando com Louis de Funès em Oscar ou com Jacques Brel e Lino Venture emO Chato. O seu maior sucesso, a Gaiola das Malucas, estreou em 1978 e correria o mundo, chegando a ser nomeado para os Óscares. Edouard Molinaro, realizador reconhecido “pela precisão do seu trabalho, mas também pela sua grande modéstia”, como escreve a AFP, morreu este sábado, aos 85 anos, de insuficiência pulmonar.
Nascido em Bordéus a 13 de Maio de 1928, Edouard Molinaro realizou o seu último filme para cinema, Beaumarchais, l’insolent, em 1996. Desde então, dedicara-se à televisão, meio para o qual dirigiu telefilmes ou episódios de séries. O seu auge, porém, fora vivido nas décadas de 1960 e 1970, período em que, como escreve em obituário a edição online de revista Les Inrockuptibles, referindo-se a duas bem-sucedidas colaborações com o comediante francês Louis de Funès, Oscar(1967) e O Avôzinho Congelado(1969), se afirma o seu “gosto e competência para converter em campeões de bilheteira os sucessos do théàtre de boulevard”. Maior exemplo disso terá sido a supracitada A Gaiola das Malucas, adaptação de uma peça de Jean Poiret (O Chato, estreado em 1973, nasceu por sua vez de uma peça de 1971 de Francis Veber).


Neste período, Edouard Molinaro filma alguns dos jovens nomes emblemáticos do cinema francês do seu tempo, de Jean-Claude Brialy, Françoise Dórleac e Jean-Pierre Cassel (em Arsène Lupin Contre Arsène Lupin, de 1962) a Brigitte Bardot (As Malícias do Amor, de 1964, também com Anthony Perkins) e a Jean-Paul Belmondo e Catherine Deneuve (Caça ao Homem, igualmente estreado em 1964). Desses actores, aponta ainda o Les Inrockuptibles, aproveitou para os seus filmes “o fogo e a vitalidade pop dos anos 1960”.
No final da década seguinte, chegaria o filme, protagonizado por Michel Serrault e Ugo Tognazzi, pelo qual é mais recordado. A Gaiola das Malucas daria origem a duas sequelas (apenas a primeira foi realizada por Molinaro) e uma adaptação americana em 1996. Na década de 1980, a televisão começa a ganhar um espaço cada vez maior no seu percurso. Dedicar-se-ia a ela em exclusivo, adaptando obras de Stefan Zweig, Henry James ou Balzac, depois de abandonar o cinema pela porta grande:Beaumarchais, L’insolent, filme biográfico dedicado ao dramaturgo, espião, inventor e mil coisas mais Pierre Beaumarchais, homem de vida preenchida, revolucionário em França e revolucionário além-mar, enquanto activo apoiante da luta pela independência dos Estados Unidos, levou dois milhões de franceses às salas em 1996.

O seu último telefilme, Une famille pas comme les autres, foi exibido em 2005. (Jornal Público – 07.12.2013)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Quadro de Norman Rockwell atinge valor recorde.


Uma obra do popular pintor americano Norman Rockwell, considerada uma das suas mais representativas, atingiu hoje um valor recorde em leilões de trabalhos deste artista plástico que viveu entre 1894 e 1978. Intitulado Saying Grace foi arrematado por 33,9 milhões de euros (46 milhões de dólares).
O quadro foi à praça num leilão da Sotheby's, em Nova Iorque, com mais duas obras daquele que é considerado o pintor que melhor retratou a América profunda, das pequenas cidades e do mundo rural.
Intitulado Saying Grace, o quadro alcançou a soma de 57 milhões de dólares ( 33,9 milhões de euros) enquanto o recorde de uma obra de Rockwell estava nos 15,6 milhões de dólares (11,3 milhões de euros) num leilão de 2006.
A imagem foi capa do Saturday Evening Post, para o qual Rockwell era assíduo colaborador, e data de 1951.
Em 1955 foi considerada a obra mais popular de Rockwell numa sondagem entre os leitores daquela publicação.
Outra obra de Rockwell, The Gossips, foi vendida por 8,45 milhões de dólares (6 milhões de euros); e a terceira, Walking to Church, alcançou a verba de 3,2 milhões de dólares (2,3 milhões de euros). (DN – 06.12.2013)

domingo, 1 de dezembro de 2013

O filme que devia ser visto por todos.



A História do Cinema - Uma Odisseia
De: Mark Cousins
Com:
Género: Histórico, Documentário
Classificacao: M/12
No mundo real, contudo, aquele em que é difícil escapar às codificações e às gavetas impostas pela economia e negócio mercantil em que o cinema (também) se tornou ao longo dos anos, um objecto “fora de série” como este torna-se num bico de obra. A dimensão simultaneamente sedutora e informativa de A História do Cinema é uma “introdução” às suas glórias, “porta de entrada” para os recém-iniciados. O entusiasmo contagiante e a pedagogia sem esforço da viagem exige pensar fora da caixa; as suas 15 horas de duração desafiam as convenções da exibição comercial, dão-lhe uma dimensão de evento único e irrepetível - como o foram em tempos os grandes ciclos da Cinemateca ou da RTP-2, congregando à sua volta toda uma população de cinéfilos “em construção” que não tinham acesso regular às grandes obras.
Mas os cinéfilos em construção de hoje já não se encontram limitados aos ciclos ou às sessões especiais, que em qualquer caso já deixaram de ser irrepetíveis. Os festivais, o DVD, o video-on-demand ou o streaming fizeram explodir as limitações da exibição comercial; um investigador determinado pelos recantos da internet não terá problemas em encontrar este DVD ou aquela gravação da TV de um objecto raro algures num qualquer canto do mundo.
Daí que a ideia da distribuidora Midas Filmes de acompanhar a edição em DVD do documentário de Mark Cousins com uma exibição comercial em sala (oito sessões de duas horas ao longo de uma semana, terminando com um debate inspirado pelo filme) traia um idealismo quase quixotesco, até um tudo nada vão, de “serviço público”. Esse idealismo é algo a que a distribuidora nos habituou, através do lançamento em DVD das História(s) do Cinema de Godard, ou de obras históricas de Glauber Rocha, Jean Rouch, Jacques Demy, Claude Lanzmann, Victor Erice ou Béla Tarr. 
Mas fará sentido, num país que – como muito se falou esta semana – não consome cultura? Em que três quartos da população não vai ao cinema? Em que as elites culturais se refugiam no seu próprio casulo? Em que as políticas governamentais reduzem tudo puramente a questões de financiamento e retorno no investimento? Em que os cidadãos protestam contra a demolição do Odeon, o fecho do King ou a inactividade do Batalha apesar de não os frequentarem enquanto estiveram abertos? Num país como este, exibir A História do Cinema em oito sessões numa sala de cem espectadores em Lisboa pode ser a única maneira de o mostrar em sala, mas fará sequer sentido de um ponto de vista que não seja o do princípio? E até gostávamos de pensar que sim, mas...
Mesmo nos velhos tempos em que havia um outro consumo de cultura, A História do Cinema dificilmente teria chegado ao circuito comercial. Ter-se-ia ficado por exibições especiais (na Gulbenkian ou na Cinemateca) ou, sobretudo, por uma passagem televisiva que, isso sim, seria verdadeiro “serviço público”. Sem vergonha nenhuma, porque tem sido no pequeno écrã que o documentário de Mark Cousins mais tem vivido por todo esse mundo. E a vontade que ele cria de ir à procura daquilo que não conhecíamos ou que nunca vimos, o abrir os olhos para tudo o que existe para lá das estreias semanalmente escoadas pelas salas, é a própria definição do serviço público que a televisão deveria ser (e que, em Portugal, não é de todo, mas isso é outra conversa).

A História do Cinema mereceria ser visto por toda a gente, em todo o país, e seria provavelmente mais eficaz do que um qualquer Plano Nacional Educativo de Cinema. Mostrá-lo em sala é reduzi-lo ao mesmo “gueto” cinéfilo do qual Mark Cousins quis que ele escapasse; lançá-lo em DVD é o pequeno passo, mas o passo-chave, para torná-lo visível a todos. (Jornal Público)