Uma
disputa legal nos EUA entre os herdeiros de Conan Doyle e um especialista em
Holmes terminou com uma decisão histórica, que coloca (quase todo) o famoso
detective no domínio público.
Tudo
o que diz respeito à personagem de Sherlock Holmes, excepto alguns pormenores,
passa a ser do domínio público, e portanto utilizável por todos os que
desejarem fazer algum trabalho inspirado no famoso detective, na sequência de
uma decisão judicial de um tribunal norte-americano que veio pôr termo a uma
complexa disputa em torno de direitos de autor.
A
decisão, tomada na segunda-feira mas noticiada apenas na sexta, representa
uma dura derrota para os herdeiros de Sir Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock
Holmes, e autor de quatro romances e 56 contos com aventuras envolvendo o
detective e o seu amigo Watson. Representa também uma vitória para
Leslie Klinger, especialista naquela personagem ficcional e autor de vários
livros sobre o tema.
A
disputa chegou ao tribunal por causa do mais recente livro de Klinger, feito em
colaboração com Laurie King, e em relação ao qual os herdeiros de Conan Doyle
exigiram o pagamento de direitos de autor, ameaçando, caso isso não
acontecesse, impedir a publicação. Klinger, que já tinha pago direitos
relativamente a livros anteriores, nomeadamente A Study in Sherlock (pelo
qual, segundo a Economist, a editora Random House pagou cinco mil dólares,
cerca de 3600 euros), decidiu que desta vez ia contestar a exigência, por acreditar
que a personagem de Holmes é já inteiramente do domínio público.
O
interesse por Sherlock Holmes não tem diminuído, antes pelo contrário: nos
últimos tempos surgiram novas obras a partir da personagem, desde as
séries Sherlock, da BBC, e Elementary, da CBS, até aos filmes em
que o actor Robert Downey Jr. interpreta o detective. Geralmente, em produtos
com esta notoriedade, os responsáveis têm preferido pagar direitos aos
herdeiros para evitar problemas, diz ainda a Economist.
A
questão dos direitos de autor, neste caso, é particularmente complicada porque
envolve subtilezas da lei norte-americana. No resto do mundo, incluindo o Reino
Unido, onde as obras entram em domínio público 70 anos após a morte do autor
(Conan Doyle morreu em 1930), já não existe nada que impeça que Holmes seja
utilizado noutras histórias por outros autores. Mas esta regra só foi
introduzida nos Estados Unidos em 1977 e por isso só de aplica a obras
posteriores a essa data.
Sendo
que as obras anteriores a 1923 são já do domínio público, resta o período entre
1923 e 1977, em que a regra nos EUA é esperar 95 anos após a publicação – e é
precisamente aí que se situa The Case-Book of Sherlock Holmes (Os
Casos de Sherlock Holmes, na edição portuguesa) , um conjunto de 10 contos
publicados nos EUA em 1927 e que só entrarão no domínio público em 2023.
Quem quiser utilizar algum elemento que faça parte destas histórias terá que
pagar direitos aos herdeiros de Conan Doyle, de acordo com a lei americana.
Todos os outros livros com Holmes foram publicados antes de 1923 e por isso
podem ser usados livremente.
O
problema é que os detentores dos direitos de Conan Doyle argumentam que Holmes
é uma “personagem complexa” e que se pormenores da sua personalidade ainda
estão protegidos pela lei, isso significa que toda a personagem está, porque
não faz sentido separá-lo em partes. “O facto é que Sir Arthur continuou a
desenvolver as personagens nas dez histórias que ainda estão protegidas,
acrescentando aspectos significativos a cada personagem, criando nova história
sobre a dinâmica da relação entre elas, alterando a visão que Holmes tem do
mundo e dando-lhe novas capacidades. E fez isto de uma forma não linear”,
alegam, na defensa que apresentaram em tribunal, citada pelo The Guardian.
Acrescentam que Klinger “sugere que Holmes e Watson podem ser
desmantelados em versões parciais deles próprios”.
O
tribunal não lhes deu razão nestes argumentos, e deliberou que tudo o que diz
respeito a Sherlock Holmes, excepto elementos que surgem exclusivamente nas dez
histórias pós-1923, pode a partir de agora ser usado livremente. Isto
significa, por exemplo, que detalhes como o segundo casamento de Watson ou a
passagem à reforma de Holmes só podem ser citados noutras obras se forem pagos
direitos aos herdeiros.
Klinger
manifestou o seu contentamento com a decisão, afirmando que “Sherlock Holmes
pertence ao mundo”, e congratulando-se com o facto no blogue que criou para
acompanhar o caso judicial e ao qual chamou Free Sherlock!. O livro que
deu origem à disputa, In the Company of Sherlock Holmes, de Klinger e
Laurie King, será publicado pela Pegasus Books em 2014. (Jornal Público –
29.12.2013)