segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Sherlock Holmes já pode ser usado sem direitos de autor.


Uma disputa legal nos EUA entre os herdeiros de Conan Doyle e um especialista em Holmes terminou com uma decisão histórica, que coloca (quase todo) o famoso detective no domínio público.
Tudo o que diz respeito à personagem de Sherlock Holmes, excepto alguns pormenores, passa a ser do domínio público, e portanto utilizável por todos os que desejarem fazer algum trabalho inspirado no famoso detective, na sequência de uma decisão judicial de um tribunal norte-americano que veio pôr termo a uma complexa disputa em torno de direitos de autor.
A decisão, tomada na segunda-feira mas noticiada apenas na sexta, representa uma dura derrota para os herdeiros de Sir Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, e autor de quatro romances e 56 contos com aventuras envolvendo o detective e o seu amigo Watson. Representa também uma vitória para Leslie Klinger, especialista naquela personagem ficcional e autor de vários livros sobre o tema.
A disputa chegou ao tribunal por causa do mais recente livro de Klinger, feito em colaboração com Laurie King, e em relação ao qual os herdeiros de Conan Doyle exigiram o pagamento de direitos de autor, ameaçando, caso isso não acontecesse, impedir a publicação. Klinger, que já tinha pago direitos relativamente a livros anteriores, nomeadamente A Study in Sherlock (pelo qual, segundo a Economist, a editora Random House pagou cinco mil dólares, cerca de 3600 euros), decidiu que desta vez ia contestar a exigência, por acreditar que a personagem de Holmes é já inteiramente do domínio público.
O interesse por Sherlock Holmes não tem diminuído, antes pelo contrário: nos últimos tempos surgiram novas obras a partir da personagem, desde as séries Sherlock, da BBC, e Elementary, da CBS, até aos filmes em que o actor Robert Downey Jr. interpreta o detective. Geralmente, em produtos com esta notoriedade, os responsáveis têm preferido pagar direitos aos herdeiros para evitar problemas, diz ainda a Economist.
A questão dos direitos de autor, neste caso, é particularmente complicada porque envolve subtilezas da lei norte-americana. No resto do mundo, incluindo o Reino Unido, onde as obras entram em domínio público 70 anos após a morte do autor (Conan Doyle morreu em 1930), já não existe nada que impeça que Holmes seja utilizado noutras histórias por outros autores. Mas esta regra só foi introduzida nos Estados Unidos em 1977 e por isso só de aplica a obras posteriores a essa data.
Sendo que as obras anteriores a 1923 são já do domínio público, resta o período entre 1923 e 1977, em que a regra nos EUA é esperar 95 anos após a publicação – e é precisamente aí que se situa The Case-Book of Sherlock Holmes (Os Casos de Sherlock Holmes, na edição portuguesa) , um conjunto de 10 contos publicados nos EUA em 1927 e que só entrarão no domínio público em 2023. Quem quiser utilizar algum elemento que faça parte destas histórias terá que pagar direitos aos herdeiros de Conan Doyle, de acordo com a lei americana. Todos os outros livros com Holmes foram publicados antes de 1923 e por isso podem ser usados livremente.
O problema é que os detentores dos direitos de Conan Doyle argumentam que Holmes é uma “personagem complexa” e que se pormenores da sua personalidade ainda estão protegidos pela lei, isso significa que toda a personagem está, porque não faz sentido separá-lo em partes. “O facto é que Sir Arthur continuou a desenvolver as personagens nas dez histórias que ainda estão protegidas, acrescentando aspectos significativos a cada personagem, criando nova história sobre a dinâmica da relação entre elas, alterando a visão que Holmes tem do mundo e dando-lhe novas capacidades. E fez isto de uma forma não linear”, alegam, na defensa que apresentaram em tribunal, citada pelo The Guardian. Acrescentam que  Klinger “sugere que Holmes e Watson podem ser desmantelados em versões parciais deles próprios”.
O tribunal não lhes deu razão nestes argumentos, e deliberou que tudo o que diz respeito a Sherlock Holmes, excepto elementos que surgem exclusivamente nas dez histórias pós-1923, pode a partir de agora ser usado livremente. Isto significa, por exemplo, que detalhes como o segundo casamento de Watson ou a passagem à reforma de Holmes só podem ser citados noutras obras se forem pagos direitos aos herdeiros.

Klinger manifestou o seu contentamento com a decisão, afirmando que “Sherlock Holmes pertence ao mundo”, e congratulando-se com o facto no blogue que criou para acompanhar o caso judicial e ao qual chamou Free Sherlock!. O livro que deu origem à disputa, In the Company of Sherlock Holmes, de Klinger e Laurie King, será publicado pela Pegasus Books em 2014.  (Jornal Público – 29.12.2013)

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