A
História do Cinema - Uma Odisseia
De: Mark
Cousins
Com:
Género: Histórico,
Documentário
Classificacao: M/12
No mundo real, contudo, aquele em
que é difícil escapar às codificações e às gavetas impostas pela economia e
negócio mercantil em que o cinema (também) se tornou ao longo dos anos, um
objecto “fora de série” como este torna-se num bico de obra. A dimensão
simultaneamente sedutora e informativa de A História do Cinema é uma
“introdução” às suas glórias, “porta de entrada” para os recém-iniciados. O
entusiasmo contagiante e a pedagogia sem esforço da viagem exige pensar fora da
caixa; as suas 15 horas de duração desafiam as convenções da exibição
comercial, dão-lhe uma dimensão de evento único e irrepetível - como o foram em
tempos os grandes ciclos da Cinemateca ou da RTP-2, congregando à sua volta
toda uma população de cinéfilos “em construção” que não tinham acesso regular
às grandes obras.
Mas os cinéfilos em construção de
hoje já não se encontram limitados aos ciclos ou às sessões especiais, que em
qualquer caso já deixaram de ser irrepetíveis. Os festivais, o DVD, o video-on-demand ou
o streaming fizeram explodir as limitações da exibição comercial; um
investigador determinado pelos recantos da internet não terá problemas em
encontrar este DVD ou aquela gravação da TV de um objecto raro algures num
qualquer canto do mundo.
Daí que a ideia da distribuidora
Midas Filmes de acompanhar a edição em DVD do documentário de Mark Cousins com
uma exibição comercial em sala (oito sessões de duas horas ao longo de uma
semana, terminando com um debate inspirado pelo filme) traia um idealismo quase
quixotesco, até um tudo nada vão, de “serviço público”. Esse idealismo é algo a
que a distribuidora nos habituou, através do lançamento em DVD das História(s)
do Cinema de Godard, ou de obras históricas de Glauber Rocha, Jean Rouch,
Jacques Demy, Claude Lanzmann, Victor Erice ou Béla Tarr.
Mas fará sentido, num país que –
como muito se falou esta semana – não consome cultura? Em que três quartos da
população não vai ao cinema? Em que as elites culturais se refugiam no seu
próprio casulo? Em que as políticas governamentais reduzem tudo puramente a
questões de financiamento e retorno no investimento? Em que os cidadãos
protestam contra a demolição do Odeon, o fecho do King ou a inactividade do
Batalha apesar de não os frequentarem enquanto estiveram abertos? Num país como
este, exibir A História do Cinema em oito sessões numa sala de cem
espectadores em Lisboa pode ser a única maneira de o mostrar em sala, mas fará
sequer sentido de um ponto de vista que não seja o do princípio? E até
gostávamos de pensar que sim, mas...
Mesmo nos velhos tempos em que
havia um outro consumo de cultura, A História do Cinema dificilmente
teria chegado ao circuito comercial. Ter-se-ia ficado por exibições especiais
(na Gulbenkian ou na Cinemateca) ou, sobretudo, por uma passagem televisiva
que, isso sim, seria verdadeiro “serviço público”. Sem vergonha nenhuma, porque
tem sido no pequeno écrã que o documentário de Mark Cousins mais tem vivido por
todo esse mundo. E a vontade que ele cria de ir à procura daquilo que não
conhecíamos ou que nunca vimos, o abrir os olhos para tudo o que existe para lá
das estreias semanalmente escoadas pelas salas, é a própria definição do
serviço público que a televisão deveria ser (e que, em Portugal, não é de todo,
mas isso é outra conversa).
A História do Cinema mereceria
ser visto por toda a gente, em todo o país, e seria provavelmente mais eficaz
do que um qualquer Plano Nacional Educativo de Cinema. Mostrá-lo em sala é
reduzi-lo ao mesmo “gueto” cinéfilo do qual Mark Cousins quis que ele
escapasse; lançá-lo em DVD é o pequeno passo, mas o passo-chave, para torná-lo
visível a todos. (Jornal Público)
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