Baixo-relevo
de cerca de 1575 retrata o teólogo Diogo de Paiva de Andrade e foi adquirido
por 43 mil euros, anunciou esta sexta-feira a Direcção-Geral do Património
Cultural.
Não
se sabe quem a terá resgatado intacta às ruínas da Capela de S. Nicolau de
Tolentino, da Igreja do Convento da Graça, de Lisboa, depois do terramoto de 1
de Novembro de 1755. Sabe-se apenas que em algum momento depois esta peça
“ímpar” entrou para a colecção de Sebastião José de Carvalho e Mello, Marquês
de Pombal. Terá estado com os seus herdeiros até em 1997 surgir pela primeira
vez no mercado. Agora, 16 anos volvidos, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA)
conseguiu adquirir este baixo-relevo datado de cerca de 1575 e que retrata
Diogo de Paiva de Andrade, um dos mais importantes teólogos portugueses.
A
obra, um medalhão em bronze com 33 centímetros de diâmetro, posteriormente
emoldurado e com uma base em mármore, chegou esta quarta-feira ao MNAA, onde
integrará as colecções de escultura.
“Já
na época do Marquês de Pombal se percebeu a importância histórica deste
medalhão”, explica Anísio Franco, conservador de escultura e vidros do museu.
Também especialista em leilões, Anísio Franco chama a atenção para uma segunda
placa aplicada no século XVIII ao reverso do medalhão quinhentista. Nessa
segunda placa, uma longa inscrição em latim explica vários aspectos da memória
transportada pela peça em que o rosto de Diogo de Paiva de Andrade ficou
gravado num retrato lateral, feito na tradição renascentista das peças “ao
romano” com que mais de um século antes, em Itália, se tinham começado a
celebrar os grandes heróis antigos e contemporâneos.
A
inscrição setecentista estabelece, por um lado, os principais dados biográficos
de Paiva de Andrade, contemporâneo de D. Sebastião e o mais importante
agostinho do reino, participante, aos 33 anos, no Concílio de Trento,
considerado um dos três concílios fundamentais da Igreja Católica. Por outro
lado, a inscrição fala do processo de achamento do próprio medalhão, contando
como “foi recuperado intacto das ruínas” da capela onde o teólogo foi enterrado
em 1575 e como a peça foi depois “esquecida até ao momento em que (…) Sebastião
José de Carvalho e Mello (…) corrigiu esta negligência”, fazendo com que a
memória de Paiva de Andrade “fosse protegida da devastação do tempo”.
“A
inscrição demonstra que havia já, nitidamente, uma vontade de preservação de
memória”, sublinha Anísio Franco. Uma vontade que se liga hoje tanto à importância
da personagem retratada quanto às características formais da própria peça e ao
seu percurso histórico.
Com
dimensões que ultrapassam em muito a medalhística no sentido em que hoje
estamos habituados a pensá-la, não se conhece, em Portugal, outra peça
semelhante. “Tem alguma raridade, mesmo considerando a produção internacional”,
diz Maria João Vilhena de Carvalho, também conservadora de escultura do MNAA.
“No
contexto das obras do museu é ímpar. Não temos nenhuma que se possa assemelhar
a esta”, refere a especialista, apontando exemplos de produção internacional em
quase todos os grandes museus do mundo, instituições como o Victoria &
Albert, de Londres, ou o Kunsthistorisches Museum, de Viena.
Um
feliz achado
Só agora, com a entrada nos acervos do MNAA, começará o estudo aprofundado deste medalhão. Até aqui desconhece-se, por exemplo, a sua autoria. No entanto, segundo Maria João Vilhena de Carvalho, a sua produção é “provavelmente” nacional, eventualmente por influência de – ou executada por – algum artista italiano a trabalhar, à época, no reino.
Só agora, com a entrada nos acervos do MNAA, começará o estudo aprofundado deste medalhão. Até aqui desconhece-se, por exemplo, a sua autoria. No entanto, segundo Maria João Vilhena de Carvalho, a sua produção é “provavelmente” nacional, eventualmente por influência de – ou executada por – algum artista italiano a trabalhar, à época, no reino.
Não
se sabe também de quem terá partido a encomenda. Outras peças internacionais
semelhantes serviam, na maior parte dos casos, como presentes de aparato –
ofertas, por exemplo, entre príncipes. O medalhão português “terá sido pensado
para uma parede ou mesmo para o túmulo” de Paiva de Andrade, explica ainda
Maria João Vilhena de Carvalho.
Depois
de por volta de 1438 Pisanello ter cunhado a medalha comemorativa normalmente
considerada como a cabeça de série renascentista desta forma de difusão do
retrato – com o busto de João VIII, penúltimo imperador bizantino, por ocasião
de uma sua visita a Itália –, muitos dos mais importantes artistas do período
deixaram peças deste tipo. No entanto, a importância para Portugal do medalhão
dedicado a Paiva de Andrade foi evidente para o conhecido comerciante de arte
londrino Rainer Zietz.
Anísio
Franco conta que o marchand entrou pela primeira vez em contacto com
o MNAA em 2005, oito anos depois de a peça ter aparecido pela primeira vez no
mercado, num leilão da Christie’s de Londres, onde foi vendida por mais de
16.500 libras (20 mil euros, ao câmbio actual). Nesse primeiro contacto, quando
os especialistas do MNAA primeiro tomaram conhecimento da peça, Zietz propunha
ao museu uma compra no valor de 150 mil euros – mais de sete vezes o valor por
que a obra tinha antes ido à praça. Ainda assim, o museu entendeu que a
aquisição devia ser feita. O parecer enviado à tutela acabou, no entanto, na
altura, por não ter seguimento. Entretanto, já em Julho deste ano, a peça
voltou ao mercado, desta vez através da Sotheby’s. E com uma expectativa de
venda inferior: entre as 40 mil e as 60 mil libras (aproximadamente 48 mil e 72
mil euros).
Não
suscitando interesse, a peça, que compunha o lote 81, acabou por ser retirada
sem licitações – o que permitiu ao MNAA fazer uma proposta de
aquisição mais vantajosa: 36 mil libras (43 mil euros).
Os
valores inicialmente propostos por Zietz eram “equivalentes aos [de obras
semelhantes] do mercado internacional”, explica Anísio Franco. O especialista
aponta, contudo, o que o proprietário acabou por perceber: que “esta peça só
interessa realmente ao mercado português”. Depois, o marchand teve
ainda que considerar o actual contexto nacional: “Nas circunstâncias actuais, o
proprietário percebeu que o valor de 2005 seria impossível.”
“Acaba
por ser um achado, um feliz achado”, conclui Maria João Vilhena de Carvalho.
Foi
uma de apenas duas aquisições que o MNAA, o mais importante museu nacional, fez
em 2013, juntando-se a uma peça de joalharia da Colecção António Barreto.
(Jornal Público)
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